quarta-feira, 25 de abril de 2012

CRÔNICA: "REMINISCÊNCIAS DA INFÂNCIA"

                                             Crônica do Livro:"CAUSOS CLÍNICOS"
                 


                                                                        Autor:Fernando Ortiz                                                                                        


Foto da Maria Louca
Lembro-me, tinha aproximadamente uns cinco anos de idade. Usava calças curtas com suspensórios e ficava sempre debruçado sobre uma janela que se abria para rua, assim com ajuda de uma cadeira a qual me apoiava, eu passava horas do dia espiando os movimentos dos transeuntes que passavam. Carros naquela época eram escassos, mas pessoas transitando eram muitas. E eu ficava fascinado com minha diversão, pois descobria diversos tipos de pessoas, até então desconhecidas para mim. Enfim, descobria o mundo além dos rostos conhecidos da minha família. E eis que me deparei certa vez com uma mulher com os cabelos desgrenhados, que vinha caminhando do outro lado da calçada, toda maltrapilha, com uma expressão de botar medo, gesticulava muito e falava sozinha. Quando avistei esta figura horripilante, estremeci dos pés a cabeça, e minha reação de imediato foi fechar a janela e esconder-me debaixo da cama até o medo passar. Contei o fato para vó “Mariquinha”, apelido carinhoso de Dona Maria de Moura Neves (minha avó), que de pronto aconselhou-me para afastar-me de tal mulher, pois tratava-se da temível "Maria Louca",raptora de crianças.Isso encheu-me de mais medo e temor!
Minha avó percebendo meu abalo emocional abraçou-me e cobriu-me de beijos, acolhendo-me em seu aconchegante e doce colo. E eu fiquei aninhado por horas até  sentir-me bem novamente.
Minha avó dizia em alto e bom som que era seu "porretinho”, pois ela tinha dificuldade para caminhar, então ela se apoiava em mim. E assim me levava com ela em suas visitas à suas amigas, nestes encontros elas conversavam muito sobre a vida e a família. Toda esta conversa era permeada por chá e biscoitos, estes eram os meus prediletos. Na maior parte do tempo, permanecia quieto e calado!E essa atitude, era elogiada pelas amigas de minha avó!Vezes e outras eu era tentado pela minha curiosidade a mexer nos objetos ao meu redor! Certa vez na casa de uma amiga de minha avó, Dona Belinha, fiquei tentado a tocar num vaso de porcelana. Na mesma hora, a tal senhora chamou minha atenção e sem que minha avó percebesse aplicou-me vários beliscões no braço. Lembro-me até hoje que doeu muito, contive meu choro, mas as lagrimas foram inevitáveis e minha avó não se deu conta da situação!E toda vez que ela resolvia voltar a visitar esta senhora eu relutava em ir!Chorava muito e argumentava que na casa daquela senhora eu não voltaria nunca mais!Minha avó ficava sem entender minha atitude e eu jamais lhe contei o motivo!
Ela me levava também às missas, eram todos os dias. E eu permanecia muitas vezes em pé por horas, por falta de lugar para sentar. Outras vezes sentava-me no colo de minha avó. Mas, a ida às missas para mim era a maior amolação, pois eu não entendia nada que o padre dizia, pois a pregação era toda dita em latim. Isso era uma chatice!Minha avó percebendo este fato resolveu a questão, subornando-me com um bolinho chamado "Mãe Benta”, que ela adquiria numa padaria próxima e me ofertava após as missas!Assim eu passei a acompanhá-la as missas sem reclamar!Enfim, eu era seu "porretinho" e um grande apreciador de "Mãe Benta"!
Certa vez, minha avó precisando ir à padaria que ficava a um quarteirão de nossa casa, deixou a porta entreaberta, e aconselhou-me que não saísse em hipótese nenhuma para rua, e que eu ficasse tranquilo que ela voltaria em instantes, naquele dia estava somente eu e ela em nossa casa!Assim eu fiz, fiquei sentado no sofá de casa aguardando a volta de minha avó!Após angustiosos minutos de espera, tocaram a campanhia!Pensei com meus botões: A porta está semi-aberta, porque estaria minha avó tocando a campainha?Mas levado pela alegria de vê-la novamente, corri até a porta e a abri por completo!E tive a maior decepção, pois de frente para mim estava a "Maria Louca”, que me indagou: Têm alguém em casa moleque?Estremeci por completo, o medo tomou conta de mim, imediatamente meu coração disparou e não pensei duas vezes corri para o interior da casa e me escondi debaixo da cama dos meus pais e ali permaneci. Ouvi os passos daquela mulher invadindo a casa, e ela passou pelo quarto e caminhou até a cozinha. Mexeu nas panelas!E em seguida passou a procurar-me pela casa e dizia: Vou te pegar menino!Esteja onde estiver seu danado!
Logo me avistou debaixo da cama, e estendeu sua mão para puxar-me pelas pernas,vivi momentos de terror,fiquei paralisado de medo!Até que a "Maria Louca” conseguiu agarrar-me por uma perna e me arrastou-me até a porta da minha casa!E segurando forte pelo meu braço levou-me para rua!Gritei por socorro diversas vezes... Na esperança que algum vizinho ouvisse!Quanto mais eu gritava mais ela gargalhava!E assim foi me levando para longe de minha casa. Estava rouco de tanto gritar,quando o dono do bar ,que ficava na esquina de casa, arrancou-me bruscamente dos braços daquela doida e segurou-me no colo, protegendo-me! E com safanões e palavrões afastou aquela mulher para longe de mim!Entre choro e soluços,ele me acalmou,segurando na minha mão levou-me de volta para minha casa!No caminho encontramos com minha avó que já vinha ao meu encontro, também em prantos!E perguntava ela: Onde você estava Fernandinho?
O homem que me salvará das mãos daquela mulher, explicou o sucedido para minha avó!Ela surpresa,comovida agradeceu e ainda em prantos abraçou-me e beijou-me e acolheu-me em seu aconchegante colo e disse-me baixinho: Perdoe sua avó, Fernandinho!E pediu-me para guardar segredo deste fato!
Somente agora após 50 anos de sua morte estou tornando público este acontecido!Perdoe-me pela indiscrição vó “Mariquinha”!       

Um comentário:

  1. Caro Fernando,

    Você saberia dizer se sua avó, "Maria de Moura Neves", era Portuguesa? Minha bisavó também se chamava Maria de Moura Neves e as épocas "batem", e era Portuguesa, e estou montando a Árvore Genealógica da família, ela teve pelo menos 4 filhos que tenho conhecimento, Carlos de Moura Neves, Américo de Moura Neves, os outros 2 não sei ao certo os nomes, seria Amélia ou Amália, e o 4 não sei o nome.

    Se for a mesma pessoa e puder ajudar a preencher as lacunas agradeço :)

    Carlos.

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