domingo, 20 de novembro de 2011

BIOGRAFIA: LULA FALCÃO



Jornalista com mais de 30 anos de experiência em redações, Lula Falcão atuou como repórter, redator, editor-assistente, editor e chefe de sucursal de alguns dos principais veículos de comunicação do País: O Globo, VEJA e o Estado de S. Paulo. Participou ainda do Centro de Criação de Projetos Especiais da Companhia de Notícias (CDN) e foi colaborador de publicações brasileiras em San Francisco e Nova York (EUA). Ganhou o prêmio de jornalismo (nacional) da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), em 1995. É co-autor de Frevo – 100 anos de Folia (história do frevo) e autor de Todo dia me Atiro do Térreo (ficção).

RESENHA DE LIVRO

 







“Todo dia me Atiro do Térreo”, livro de Lula Falcão, conta as histórias de Maria Lucia, personagem que escolheu as redes sociais para chutar o balde e pisar na jaca.

O livro Todo dia me atiro do Térreo conta a história da fictícia Maria Lucia por meio de um diário da própria personagem. Fracassada na vida real, ela escolheu as redes sociais para despejar doses de ironia, escárnio e bom humor em meio a bebedeiras e sexo virtual. Nesse meio tempo, tenta escrever um romance que se despedaça em posts no twitter, entre citações de Francis Bacon e Odair José. Todo dia me Atiro do Térreo – #tuiteira, do jornalista Lula Falcão, tem prefácio da escritora e roteirista Adriana Falcão e orelha do colunista Xico Sá.
“É um personagem urbano, que eu peguei de várias pessoas que conheço – na vida e nas redes sociais. Misturei tudo e criei um personagem de ficção”, explica Falcão. Maria Lúcia surgiu postando rápidas reflexões no blog do autor e, depois de muitas menções no twitter e facebook, conquistou o interesse dos leitores.
De acordo com o crítico Thiago Corrêa, a personagem revela os bastidores da sua rotina vazia em frente ao computador, expondo sua trajetória de solidão conectada à rede. Aos 30 e poucos anos ou 30 e tantos – a idade fica a cargo do leitor – Maria Lúcia não poupa sarcasmo para descrever a falta de sentido da sua vida, cuja carreira de atriz foi progressivamente lhe levando para os bastidores da produção cultural, no ritmo das rugas do tempo. “Apesar dos problemas, ela vai levando, pisando na jaca e chutando o balde”, conta Falcão. “Maria Lúcia é contraditória. É maluca. É cachaceira. É angustiada. É solitária. É viciada em Internet. É uma filósofa. É Atarantada. É a cara do nosso tempo”, escreve Adriana Falcão.
A vida da Maria Lucia é online, mas ela conta o que se passa e se passou em sua existência balzaquiana, onde quase tudo dá errado: projetos para as leis de incentivo que não vingam, falta de dinheiro, aluguel atrasado, bebedeiras, casos amorosos frustrados, empregos chatos, solidão, vodka, comprimidos tarja preta, boemia e uma dieta à base de miojo numa quitinete desarrumado. “O autor soube captar a desilusão de uma geração com fome de tudo, provocando uma leitura alucinante, de uma pegada só, em ritmo acelerado”, observa Corrêa.

"Todo dia me atiro do térreo".Lula Falcão.(1ª Edição).São Paulo:Editora Bookess- 2011.

A obra também está disponível na Livraria Cultura,e também online através do E-mail: livrotododia@gmail.com

CRÔNICA:"DEUS"

                                           Autor:Lula Falcão


Deus é assim, não tem religião nem se considera eterno. Está tão atormentado quanto seus adoradores. Vez por outra entra em crise. Como é desprovido de vaidade, fica enjoado com orações e outras mesuras. Quando clamam por sua ajuda, Ele só lamenta: “Tudo eu, tudo eu”.

Deus contesta livros e sermões. “É ficção pura”, diz. “Não fiz o mundo em sete dias, não tenho filhos nem autorizei ninguém a falar em meu nome”.

Também não se acha responsável por mortes e tragédias. “Essas coisas podem acontecer com qualquer um, inclusive comigo”. Ele não interfere, não dá palpite, deixa rolar.

Todos os anos, Deus premia um ateu de sua preferência com férias remuneradas no Paraíso. O sujeito volta à Terra, esquecido tudo, e continua a levar sua vida de descrente. Deus adora as pessoas que não acreditam nele. Dão menos trabalho.

CRÔNICA:"NO SUPER"

Labirintite (?!?)
                                                         Autor:Lula Falcão

-O senhor está sob o efeito de drogas?
- Estou. Tomei um remédio pra labirintite.
- Ah. Desculpe. É que seus olhos estão muito vermelhos e eu pensei...
- Quanto foi?
- R$ 17.80
- Crédito.
- Olha, não foi por mal, viu. Fiquei preocupada com o senhor. Estava zanzando sem destino, passou muito tempo na prateleira de material de limpeza. Ficou lendo as embalagens. O senhor leu umas dez embalagens e não pegou nada lá.
- O que?
- Nada. Estava só falando do seu jeito, desculpe, meio loucão.
- Minha senhora eu tomei um remédio pra labirintite. Pega a nota pra assinar, por favor. Não estou me sentindo muito bem.
- Parece que não. Quer que eu chame alguém?
- Não precisa. Eu moro aqui perto.
- Sabe, fiquei preocupada com o senhor e eu não costumo ficar preocupada assim com as pessoas.
- Obrigado pela preocupação.
- Olha, eu saio às 18h. Talvez a gente...
- Sim?
- Deixa pra lá.
-Por quê?
- Não sei.
- Tchau
- Ei. Minha mãe tem labirintite e o olho dela não fica vermelho assim, não.

CRÔNICA:"A Vida Chata depois da Morte"

                                        Autor:Lula Falcão

A vida depois da morte tem uma série de inconvenientes. O primeiro deles é o fato de muito provavelmente não existir. Então, a pessoa morre e pronto. Nada. Zero. Acabou. Não entendo porque os ateus não caem na maior esbórnia, não tomam todas e não promovem orgias diárias. Afinal, é agora ou nunca. Mas são até bem-comportados e não cobram dízimo.

Mas ai vem a questão mais complicada. Deus existe e depois do último suspiro a alma segue sua viagem para destinos que variam de acordo com as religiões. Os católicos, por exemplo, só dispõe de três: Céu, inferno e Purgatório, sendo que este último não é o terminal, mas um ponto de baldeação, uma escala. Deve ser o lugar mais caótico e congestionado do além, pois ali estão bilhões de mortos que não foram nem bons nem ruins em vida. Questões infindáveis devem passar pela cabeça dessa galera do além-túmulo: onde fica o balcão de informações? Que fila é essa? Onde compro uma cerveja? Pode fumar? Estou aqui há 70 anos e ninguém diz nada. Não por acaso a palavra purgatório está associada a sofrimento e castigo, mesmo durante a vida.

De acordo com os ritos latinos, no purgatório o espírito passa por julgamento particular em que o destino é especificado. Quem reclama da morosidade da Justiça brasileira nem imagina – ninguém imagina – o que é aquilo. Julga-se um a um ou há processos coletivos, como nos casos de formação de quadrilha ou bandas de Axé? Seja como for, uns vão para o Céu e outros para o Inferno. Mas o purgatório continua cheio, com novas almas chegando, completamente atordoadas, sem saber em que condução vão embarcar.

Sabe-se lá como, os processos são julgados e começa o check-in para o Inferno. A ordem é se livrar logo dos maus elementos. Pelo menos nessa ocasião, o nada é mais interessante. A descrição mais suave da nova morada é de um fogaréu descomunal, em que os mortos vão arder pela eternidade, mesmo aqueles que já foram cremados.

O contrário é o Céu. A maioria das religiões descreve o Céu como um lugar maravilhoso, um paraíso, embora cada crença tenha seu próprio portfólio a respeito. Segundo a Bíblia e a Wikipédia, o céu é onde se encontra o trono de Deus. Também moram lá Jesus, os anjos e as pessoas que vieram do purgatório. Alguns privilegiados podem ter chegado sem escala. É o caso dos santos. Ainda de acordo com a Bíblia (com informações do site www.gotquestions.org), o Céu é uma cidade cheia do brilho de pedras preciosas e jaspes claros como os cristais. “O céu tem 12 portas (Apocalipse 21:12) e 12 fundamentos (Apocalipse 21:14). O paraíso do Jardim do Éden é restaurado: o rio da água da vida corre livremente e a árvore da vida está disponível novamente, dando fruto mensalmente com folhas que são para “a cura dos povos” (Apocalipse 22:1-2).

Informações mais práticas, nenhuma. Como afirma Woody Allen, não se sabe nada a respeito do funcionamento do Céu, seus horários, como é a vida noturna, o sexo etc. O certo é que, para os católicos, o céu é como o sonho da casa própria. O lugar onde se vai morar para sempre. Para sempre mesmo. Quem não gostar dessa Alphaville da eternidade, dançou. De lá nunca mais sairá. O consolo é ser melhor do que o Inferno – é o que dizem.

Outra opção disponível na praça é voltar à Terra, encarnado em outra pessoa e, se não der sorte, numa lhama ou numa barata. Pode também vagar por ai, invisível, assustando as pessoas, mas essa hipótese tem mais amparo em Hollywood do que nas religiões ocidentais.

De qualquer maneira, morrer é sempre desagradável. Uma mudança muito brusca na sua rotina. Vai embora com a roupa do corpo, sem saber para onde e, pior, talvez para lugar nenhum.


Vale destacar que o texto acima é de um leigo, ou seja, de alguém que nunca morreu
.

CRÔNICA:"A Morte do Senador"

Foto do Senador mais jovem (?)
                                            Autor:Lula Falcão


O velho político estava na cama do hospital, agonizando, clamando por todos os santos, pedindo perdão pelos pecados, chorando diante da morte, agarrado à existência de forma meio obscena, pois perdeu um pouco daquele catolicismo que apregoava em plenário. Em todo caso, cedeu ao arrependimento. Lamentou as propinas - especialmente as de menor porte -, o tráfico de influência, o desvio de verbas públicas, as mentiras ao eleitorado. A família saiu, ele chamou o assessor, cuja tarefa era lustrar da imagem do parlamentar, mesmo nesse momento de moribundez. “Senador, morra com elegância”, disse o conselheiro. “Não terá mais jornais daqui uns dias, mas restam os livros de história”. O doente terminal revirou-se no leito, pensou em acolher a idéia, mas recordou que suas relações com o mundo acadêmico sempre foram inamistosas. Fez a última proposta: “cuide da minha memória só no meu Estado, no meu Estado, entendeu?”.

O parlamentar tinha deixado um livro de memórias. Valia pouco para historiadores se contemplado com documentos oficiais. Edição esmerada, capa dura, foto de estadista. Só não se podia determinar se ele viveu aqueles fatos, se foram contados por terceiros ou se eram pura lenda. Pior: a parte mais saborosa de sua biografia estava em mãos do Ministério Público. Sobre isso, nenhuma referência.

Sabe-se que o senador deixou este mundo a pulso. Talvez gostasse mais do mandato do que da vida ou considerasse os dois indissociáveis. Áulicos, discursos cheios de citações, jogadas políticas manhosas, carros oficiais, solenidades, prostitutas de luxo, viagens internacionais, dinheiro, poder e ternos bem cortados. Tudo isso acabou. No monitor de batimentos cardíacos, uma linha reta e aquele tradicional apitinho contínuo.

O passamento, porém, saiu a contento. O País fez piadinhas de mau gosto sobre a morte do senador (algumas de bom gosto, também), mas seu Estado chorou. Enterro de primeira, promessas de mais avenidas com o nome do filho ilustre, discursos inspirados em poetas da província e um cargo no Arquivo Público para o fiel assessor. Muitos disseram: “morreu como um passarinho”. Um correligionário, mais afeito às letras, lembrou a frase atribuída ao filósofo Caio Souza Leão: “A vida é uma questão local”.

CRÔNICA:"Casal Teoria e Prática"

- Quer saber, Alberico? Vai te...
                                            Autor:Lula Falcão

- Você não acha que Câmara está colocando em risco a democracia representativa no País?

- Não acho nada, Alberico.

- Por que é sempre assim, mulher, você nunca acha nada.

- Já achei. Não acho mais. Achar adianta alguma coisa?

- Claro que sim. Já ouviu a frase “quem não gosta de política será governado por quem gosta”?

- Não, mas qual é o problema? Quem gosta que governe. E tem mais: você adora política e não governa porra nenhuma.

- Meu bem, não é por ai. O fundamental é que a alienação política termina te deixando alienada de tudo...

- Como assim? Já fiz um bocado de coisas hoje. Levei as crianças na escola, paguei as contas e ainda trabalhei das nove até agora. Lembra? Sou eu quem sustenta essa casa.

- Claro, nunca neguei isso. Estou sem emprego fixo, mas não parado. Reflito sobre o Brasil, sobre as questões institucionais. Escrevo meu blog, tenho 1200 seguidores no twitter. Estou clamando por um país melhor.

- Alberico, esse twitter e esse blog não dão um tostão furado. Tanto concurso público por ai e você não se mexe...

_ Você acha que quero viver à custa do Estado, virar funcionário público, ser cúmplice de um sistema permeado pela corrupção?

- Que cúmplice coisa nenhuma, Alberico. É só um emprego como outro qualquer. E tem um salário no final do mês. Ficar ai escrevendo nesse blog é que não vai resolver porra nenhuma.

- Um blog que você não lê.

- Alberico, eu lá tenho tempo pra ler blog?

- Tem que arranjar um tempo. Não falo especificamente do “meu blog”. Você precisa se informar.

- Se você gosta tanto de política por que não vai ser cabo eleitoral?

- Heleninha, pelamordedeus, eu penso a política como algo superior, acima de questiúnculas partidárias, de campanhas eleitorais, essas coisas. Meu negócio é o Bobbio, a Ciência Política, a teoria, as questões do Estado, as relações com a sociedade.

- Que Mané Bobbio, rapaz. Você vive citando esse cara e até agora, necas. Em vez de ficar na dos outros por que você não arruma emprego de cientista político?

- Você sabe muito bem que não é assim. Não tenho diploma universitário. E não por falta de capacidade. É que sou bastante crítico em relação à vida acadêmica, aos seus vícios, às suas “verdades”...

- Alberico, você é crítico de tudo que pode te tirar desse maldito computador. Se soubesse não tinha comprado essa merda.

- Olha, Heleninha, você deveria agradecer por ter em casa uma pessoa que reflete e escreve sobre política. Lembre do meu livro. Não sou qualquer um, tenho um livro publicado.

- Um livro que ninguém leu. Até hoje você deve à gráfica. Melhor dizendo, eu devo.

- Heleninha, sabe o que me irrita? Essa sua falta de classe pra viver uma relação em que um é o provedor material e o outro se dedica a pensar, questionar e formular teorias. Conheço vários casais que tratam isso de uma forma, digamos, mais elegante.

- Olhe, Alberico, enchi o saco dessa sua vagabundagem enfeitada com teoria política. Não fosse casado comigo, você estaria morando na rua, sem blog e sem teto, ou arrumava outra besta quadrada como eu para segurar sua onda de intelectual fracassado. O que você produziu até hoje? Sim, tem o livro. Mas ninguém ligou, Alberico. Aquilo é um emaranhado de soluções à procura de problemas; você não alinha fatos concretos e faz uma análise simplista da realidade brasileira a partir de leituras rasteiras de jornais e revistas. Não há uma única idéia inovadora, nenhum pensamento original naquele labirinto de citações fora do lugar. Sem contar os erros históricos. Sua análise da Era Vargas, por exemplo, não leva em conta a conjuntura internacional e a própria guerra é deixada de lado para embarcar num cozido mal feito de Gilberto Freyre e Caio Prado. Encontrei vários parágrafos completamente descontextualizados, talvez por falta de conhecimentos sobre a engrenagem econômica do pós-guerra. E tem mais: o que O Gramsci está fazendo ali, ciscando sobre todos os temas, das artes plásticas ao sindicalismo...

- Sabe de uma coisa, Heleninha? Você me deu uma idéia: vou preparar uma segunda edição do livro. Levarei em conta suas observações. Algumas são equivocadas, mas você tem razão sobre Vargas. Preciso mergulhar nesse tema nos próximos meses. Enquanto isso, você bem que poderia escrever no meu blog a cada quinze dias...

- Quer saber, Alberico? Vai te fuder!