segunda-feira, 16 de abril de 2012

CRÔNICA:"A TENEBROSA DO SEXTO ANDAR”

                                                Crônica do Livro: "CAUSOS CLÍNICOS"

                      

                                                         Autor:Fernando Ortiz 


Dona Clotilde

Enfim, mudei. Mudei de apartamento!Novos ares!Novo ambiente!Lugar arborizado, bem ao meu estilo de vida!
Estou instalado, após uma mudança conturbada, aproveito para relaxar e aproveitar o novo lar. E eis, que sou contemplado com o canto de passarinhos na minha sacada. Perfeito!Não poderia ser melhor. Local silencioso, tranquilo, vizinhos amigáveis!Toda a mobília no seu devido lugar!Fim de semana sem plantões médicos!Aproveito para recostar minha cabeça no travesseiro e tirar uma soneca no meu novo quarto!Estou quase pegando no sono e escuto um barulho semelhante a uma furadeira!Não é possível!Será que alguém desavisado resolveu justamente neste dia furar a parede?Mas é domingo, dia consagrado ao descanso!Não acredito, mas o barulho ensurdecedor continua: RRREEEERRREEEERRREEE!
Levanto imediatamente da cama e enfurecido decido interfonar na portaria e reclamar do sucedido:
-Senhor, acabei de mudar-me para este apartamento e estou tentando descansar neste domingo e sou surpreendido com o barulho insuportável de uma furadeira!Gostaria que o senhor verificasse para mim e aconselhasse esta pessoa a parar!Ao que, retrucou o porteiro:
-Sim, Doutor!Realmente por normas do condomínio, não é permitido fazer barulho no dia de hoje!O senhor sabe de onde vem o barulho?Perguntou ele.
-Claro!É no apartamento acima do meu, talvez o 61?Afirmei.
-Hii... É do apartamento da Dona Clotilde, uma senhora encrenqueira, mas vou dar um jeito!
Minutos depois, voltou a me ligar:
-Pronto Doutor!Já fiz a reclamação!Agradeci, pois tinha certeza que o silêncio voltaria a reinar.
Estava sossegado pensando com meus botões: Como era bom relaxar e curtir esses momentos de lazer que a vida nos proporciona!Estes momentos deveriam ser mais duradouros!De repente fui interrompido em meus pensamentos por um estridente ruído: RRIIIIIIMM!
Logo identifiquei que se tratava da velha senhora do sexto andar, arrastando móveis em seu apartamento!E o meu sossego havia terminado!
E mais: RRIIIIMMM, o barulho estridente continuava sem dar tréguas, e novamente: RRIIIIMMM!
Percebi que aquilo não teria fim, portanto, resolvi de novo interfonar para a portaria do prédio pedindo providências:
-Senhor Lopes, sou morador do apartamento 51, estou novamente ligando para comunicar, que a senhora do 61 continua fazendo barulho.Desta vez ela foi longe demais,esta arrastando móveis em seu apartamento,não permitindo que eu descanse...O barulho é intolerável! Peço que tome providências!
-Hii... Doutor!De novo, agora a coisa complicou é encrenca na certa... A Dona Clotilde é uma velha muito ranzinza!Vou tentar dar um jeito!
Aguardei, e poucos minutos depois ele interfonou-me:
-Sabe Doutor!A Dona Clotilde pede desculpas pelo incômodo!Até achei meio estranho... Mas, ela disse que isso não iria se repetir!
Fiquei satisfeito com o desfecho da situação, e tratei de acomodar-me em minha cama para dedicar-me a uma merecida soneca.
Comecei a pegar no sono e abruptamente fui despertado com o barulho de contínuas marteladas na parede: TUM!TUM!TUM!
Era óbvio que o barulho vinha do sexto andar!Liguei novamente na portaria e fiz nova reclamação!Então o porteiro me aconselhou:
-Sabe Doutor!Se o senhor quiser pode falar diretamente com ela, basta ligar 54 e em seguida o número do apartamento!
-Tudo bem!Respondi.
E assim fiz: Liguei uma, duas, três, quatro, cinco, seis vezes!E em nenhuma destas vezes, ela não atendeu o interfone.
Então resolvi decidir esta situação pessoalmente!E fui bater na porta da moradora do apartamento 61!Bati insistentemente, e nada!Bati novamente e nada!Tentei a campainha!Nada!Cheguei a pensar que ela havia saído, mas não! Na certa não queria atender a porta! Talvez, envergonhada com a sua atitude?Volto ao meu apartamento e tento novamente cochilar.
Sou surpreendido com uma série de ruídos: RRREEEERRREEEERRREEE! TUM!TUM!TUM!RRREEERRREEEEERRREEE!
Não acredito, fui direto ao interfone:
-Senhor Lopes, a velhota voltou à carga!Não é possível!O barulho é ensurdecedor!Ele ficou mudo... De repente fez um silêncio:
-Senhor Lopes, Senhor Lopes, parece que ela parou!Não ouço mais nenhum barulho!
Até que enfim, pensei. Mas, não iria durar muito! E em seguida adormeci. Após um tempo, ouço: CATAPLAM!Acordo assustado e olho o relógio, já era meia-noite! 
Parece que alguém bateu uma porta?Penso. Instante depois toca o interfone, era o Senhor Lopes, meio esbaforido,que diz:
-Doutor, Dona Clotilde passou agora pela portaria, e disse-me que iria dormir na casa de sua filha!Agradeci e respirei aliviado, enfim ficaria em paz e com certeza, teria  uma tranquila noite de sono!
Após um domingo cansativo, exaustivo!Levanto na manhã seguinte e apronto-me para sair, pois iria começar nesta 2ª Feira uma nova maratona de plantões. Chego ao hospital e dirijo-me ao consultório, neste momento adentra a sala uma senhora idosa, baixinha e com cara de poucos amigos.
Li o seu prontuário sobre minha mesa, e constatei surpreso que os dados daquela senhora coincidiam com o meu endereço: Rua Floriano Peixoto Nº 789 - Apartamento: 61.
Portanto, um andar acima do meu!E mais surpreso fiquei, quando li o seu nome: Clotilde... Não tinha dúvidas eu estava frente a frente com a tenebrosa do sexto andar, a terrível perturbadora do sossego alheio: Dona Clotilde em carne e ossos!Antes que eu pudesse esboçar alguma reação, ela foi logo dizendo:
-Doutor, eu não tenho muito tempo a perder, passei um domingo de cão!Um novo vizinho que acabou de se mudar no meu prédio me perturbou o dia inteiro com suas ligações ao meu apartamento. Eu sou uma mulher viúva. Sei lá, o que esse tarado queria!Só sei que isso me deixou muito perturbada!Acredite, tive que dormir na casa de minha filha!Receite logo, um tranquilizante para mim!

Tentei argumentar,desisti.                                                                                                          

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