sábado, 8 de janeiro de 2011

CRÔNICA:"Amor é amor"


                                                                                             Autor:Plínio Marcos
Célinha Bicuda

Mulher gamada é fogo. Elas, quando se vidram e se amarram num homem, são capazes de fazer das tripas coração pra defender seus interesses. Uma mulher apaixonada se transforma dos pés à cabeça. Se é classuda, cai da panca e, sem vacilar apronta os maiores salseiros. Se é acanhada, endoida e não regateia pra fazer um escândalo. Esse lance de que a mulher mesmo muito ligada num homem e tal e coisa, se enruste e se fecha em copas porque tem categoria é papo furado. Mulher que deixa o amor no barato não está toda na parada. Que nada! Às vezes, está por solidão, por simpatia, por conveniência e os cambaus. Nunca por gama. É isso. Não tem erro. Sou eu que afirmo, e de mulher eu entendo. 

Mas deixa isso de lado. O que quero contar e o que pesa na balança é a história da Vilma Fuleira e da Célinha Bicuda, duas flores da Barra do Catimbó que se unharam e se dentaram por amor ao Ariovaldo Piolho, um vagau de pouca presença física, mas de muita embaixada. Ele lidava com seu rebanho com mil e um macetes e, por essas e outras, sempre foi muito considerado pelo mulherio.
Vilma Fuleira

É verdade que esse perereco se deu nas quebradas do mundaréu, onde o vento encosta o lixo e as pragas botam os ovos, mas, se acontecesse nos salões da mais fina gente da sociedade, não me causava nenhum espanto. Mulher é mulher em qualquer lugar. Mestre Zagaia, velho cabo-de-esquadra que navegou sem bandeira por muita água barrenta e que bateu perna à toa pelos caminhos mais escamosos, esquisitos e estreitos do roçado do bom Deus, viu quizilas de assombrar negos de patuá forte, embrulhou sua solidão em muito lençol encardido e escancarou nas Tabuadas das Candongas uma dica sobre o assunto:

— Depois dos panos arriados, o espetáculo é sempre o mesmo.

E, se Mestre Zagaia falou, tá falado. Mulher é sempre mulher. E a Vilma Fuleira e a Célinha Bicuda também são, embora à primeira vista não pareçam. Sabe como é. Elas nasceram lesadas da sorte e só pegaram a pior. Bagulho catado no chão da feira nunca fez bem à beleza de ninguém.

Porém (e sempre tem um porém), não foi a condição de bagulho que impediu que elas tivessem grandes ilusões a respeito de amor. 
Ariovaldo Piolho

E o galã dos sonhos das duas era, como já disse, o Ariovaldo Piolho. Esse vagau se serviu das duas sem a mínima cerimônia. Foi ali na base do agrião. Como as duas estavam a fim dele, o danado negociou. Fez valer a velha e tinhosa lei da oferta e da procura. Se fingia de morto e esperava pra ver quem comparecia no seu enterro.

Como quem não quer nada, pegava a grana na mão da Vilma, cumpria a obrigação e ia buscar os pixulés com a Célinha. E se o dinheiro compensava, não deixava ela em falta. Até que o caldo engrossou.
Bateu sujeira. O doutor delerusca resolveu acabar com o pesqueiro das piranhas e a Vilma Fuleira e a Célinha Bicuda se viram no papo-de-aranha. Escaparam da cana, mas o faturamento caiu às pamparras. E, no meio disso tudo, o Ariovaldo Piolho sentiu o aroma da perpétua. Vagau escolado por muitos anos de janela é sempre cem por cento profissional. Sem pagório, deixou as mulheres na saudade. E se deu o esquinapo.

A Vilma Fuleira achou que o Ariovaldo não queria nada com ela porque estava enredado pela Célinha Bicuda. Procurou a rival e, sem conversa, deu-lhe uma tremenda biaba. A Célinha Bicuda era encardida. Encarou, mas não deu nem pra saída. A Vilma Fuleira era gordona e alta. A Célinha, baixinha e só pele e osso. Teve que apanhar e correr. Porém, como não era de engolir nada enrolado, a Célinha Bicuda tramou a forra. Foi na macumba levar o nome da Vilma Fuleira pra sua mãe-de-santo enterrar no cemitério. Feita a façanha, a Célinha Bicuda se botou a boquejar nos botecos. Garantia pra quem duvidasse que a Vilma Fuleira ia murchar até morrer. E não faltou fuxiqueiro pra ir rapidinho envenenar a Vilma. E ela, que já estava atolada até o gogó no pântano, acreditou que a bananosa toda que curtia era devido à mandinga da Célinha. Se picou de raiva e jurou pela luz que a iluminava que ia pegar a inimiga e dar pancada até ela desenterrar seu nome. E foi pra guerra.

A Vilma encontrou a Célinha no seu barraco e nem pediu licença. Entrou na força bruta e foi botando pra quebrar. De repente, a Célinha Bicuda deu uns gritos, uns pulos pro alto e, quando desceu, era uma fera batusquela. Passou a mão numa enxada e tocou o bumba-meu-boi no lombo da Vilma, que se viu obrigada a dar pinote. Mas a Célinha foi na captura e derrubou o barraco da Vilma a enxadada. Em desespero e apavorada com a fúria da Célinha Bicuda, a Vilma se refugiou na casa do Piolho. A Célinha não tomou conhecimento. Aliás, ainda ficou mais endoidada de ver a rival junto do homem da sua gama. Aumentou o escarcéu.

O Ariovaldo, sem se afobar saiu de fininho e chamou a polícia. A cana chegou e ferrou a Célinha e a Vilma. No Distrito, a Célinha falou que não tinha nada com a briga. Foi o exu da sua crença que encarnou nela pra acabar com a Vilma. A Vilma, de zoeira, entregou tudo como era. Disse pro doutor que a bronca era por causa do Ariovaldo, que estava na fita como testemunha. O delegado quis saber se o ele tinha emprego. Não tinha. Entrou em pua e as mulheres foram dispensadas. Mas continuam pelejando por amor. Uma visita o vagau às quartas-feiras; a outra, aos domingos. E todas as duas levam o santo dinheirinho de presente pro Ariovaldo Piolho, o bom amante.

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