terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Crônica:"UMA HISTÓRIA HORRIPILANTE COM REQUINTES DO OUTRO MUNDO"

                              Crônica do Livro: "CAUSOS  CLÍNICOS"  

 

                                                                                                Autor:Fernando Ortiz 

 

Numa destas noites frias, noite de lua cheia. Repararam que ninguém se cansa desse clichê e insistem em começar sempre assim? Essas histórias de terror que nos contam vêm sempre recheadas com as diabruras aprontadas por alguma alma penada invariavelmente com a indefectível presença da lua cheia acompanhada de outros infalíveis seres abissais como: mula-sem-cabeça, lobisomem, curupira, boitatá e vez por outra algum saci.Portanto,a minha história promete deixar o leitor de cabelos em pé e vou logo avisando que vou abusar dos clichês!!

Trata-se de um destes ''causos mirabolantes'' e se ao contar, perceberem no ar qualquer sinal de incredulidade, juro de pé junto que nem tudo é lorota.
Iniciaremos, pois, nossa história numa destas noites frias, noite de lua cheia num Hospital de uma cidadezinha do interior, encontrava-me de plantão e já eram altas horas não havia mais ninguém para ser atendido, resolvemos nós da Equipe (Eu o médico, um enfermeiro que atendia pela alcunha de João Pé Frio, era assim chamado por que em seus plantões sempre morria algum paciente,completando a equipe mais duas auxiliares de enfermagem,uma bem nova na profissão ,outra bem mais experiente de aspecto truculento,tendo segundo consta já se passado por médica,mas isso não vem ao caso,resolvemos de comum acordo contar estes "causos" que são ditos de boca em boca,mesmo porque no Hospital naquela noite não havia nenhuma outra alma viva,nem ao menos pacientes internados!!
E logo começa o João a lembrar do pobre coitado que havia passado dessa para melhor no seu último plantão. Sobressaltada a jovem enfermeira, que atendia pelo nome de Virgínia emendou:

-Se for pra vocês começarem a falar sobre estas coisas, eu deixo vocês falando sozinhos e vou-me embora!!

-Embora para onde, menina? Retrucou Rosângela, a enfermeira mais experiente e de aspecto truculento: Ainda não chegou ao fim o nosso Plantão!!A reação da jovem foi o estopim para o João soltar uma sonora gargalhada-que se fez ecoar no sombrio corredor do pequeno Hospital!E logo falou:

-Deixa disso, Virgínia!Os mortos não fazem mal a ninguém, nos devemos ter medo dos vivos, não é Doutor?Uma forma de me fazer participar da conversa,completou:

-O Doutor vive espreitando a morte, e nem por isso tem medo dela, não é Doutor?
Cutucou-o de novo.

-Espera aí Seu João!Não é bem assim... Disse eu.

-Que nada Doutor, vocês não tem medo da morte,e eu também não tenho medo !!
-Que lorota, retrucou a enfermeira Rosângela, o João não tem medo de nada? ...a não ser daquela...  Daquela... História?

-Pode parar agora mesmo, Dona Rosângela por que senão quem irá embora será eu!!

-Ouviu Doutor?O João Valentão esta se borrando de medo, pra não ter que falar outra coisa!!

-Que História é esta, João? Insisti

-Não queira nem saber, Doutor!! Arrematou João.E,eu vou embora,alertou Virgínia,ainda na flor de sua juventude.Daqui ninguém sai,sentenciou a truculenta Rosângela ,que em tom ameaçador continuou-Ajoelhou tem que rezar...ou melhor se chegamos até aqui temos que ir até o fim,não é mesmo Doutor?Imediatamente a tal da Virgínia levantou-se da cadeira e disse:

-Não conte comigo!! Já ouvi esta estória e ela me dá calafrios... vou-me embora!

-Daqui ninguém sai!!Arrematou Rosângela em tom ameaçador e continuou:

-Sei que não é de bom tom falar dos mortos, mas,em se tratando da finada Dona Cacilda,que passou desta pra melhor,chegou aos meus ouvidos,que ela caminha pelos corredores deste Hospital,e que seus gritos de lamentações são terríveis...dizem que pedras são arremessadas contra os vidros das janelas deste Hospital,sabe-se lá porquê!!Resolvi participar da conversa e não escondendo a minha curiosidade arrisquei:

-Suportar esta mulher em vida deveria ter sido um castigo, um martírio?Que pecado ela poderia ter cometido ao longo de sua existência?Perguntei.
Como num piscar de olhos, João prontificou-se a dar explicações:

-Corre a boca pequena entre os funcionários mais antigos do Hospital, não digno de crédito, que a velha bateu a caçoleta neste Hospital,dizem que a coitada já vinha há tempos muito doente e diziam também que a moribunda antes de morrer,quis ser enterrada com todos os seus badulaques...

-Todos os seus o quê?Perguntei rindo. Impassível,continuou o velho enfermeiro:

-Pois é,ela agonizante exigiu ser enterrada com todas as suas jóias ...e olha que não eram poucas.O marido muito esperto, vivaldino.Prontificou-se em fazer a vontade da pobre mulher,mas na noite seguinte após o enterro, sem esperar sequer que o corpo esfriasse na sepultura, desenterrara o caixão ,e roubou todas as jóias da falecida,no caso Dona Cacilda, e depois do fato consumado sumiu pelo mundo de braços dados com sua amante que dizem era uma enfermeira deste Hospital. Até hoje, não sei quem era esta enfermeira e ninguém sabe por onde anda o tal viúvo!Meu caro Doutor trata-se de um caso cabeludo... Convenhamos!!

-Espera aí João!O quê que as pessoas deste Hospital têm a ver com este fato?Indaguei.

-É simples Doutor, a falecida vira e mexe sempre volta do além para vingar-se do que lhe fizeram!!Dizem que ela sempre aparece para atormentar as pessoas deste Hospital com seus gritos de lamentações e atirando pedras nas janelas dos quartos!!Indignado reagi:

-Tenha vergonha nesta cara, João!!Inventar uma história destas para amedrontar suas colegas enfermeiras!!Veja a situação da pobre da Virgínia toda encolhida e morrendo de medo com estas suas estórias inverídicas!!

-Ora, Doutor!Tenha calma!Não me pergunte mais nada.Mesmo porque fantasma é fantasma e só faz o que lhe aprouver.E no mais eu não tenho nada a ver com isso...Estou vendendo o peixe como comprei...
Logo aparteou Rosângela:

-O fato é que coisas estranhas começaram a acontecer e continuam acontecendo. Pedras são arremessadas,vidros aparecem quebrados,gritos de lamentos são ouvidos e todos estes fatos são abafados pela direção do Hospital ,que não admite que este assunto seja ventilados entre a população local.Para eles quem morre, morreu, não volta, e tome demissão a quem se opor. Coitados.

Neste instante uma risada ecoou, alta,sarcástica.Não tenham dúvidas era eu mesmo,bancando o sabichão no assunto dos outros.E sem mais ou menos, resolvi meter meu bedelho:

-Trata-se de uma lenda que é fomentada para intimidar e amedrontar vocês e para justificar alguma demissão injusta!!Não compactuem com esta patifaria!!

Fez-se um silêncio mortal, todos se entreolharam, até mesmo a Virgínia esboçou descontentamento com minha opinião. Pudera são pessoas simples e ingênuas o que poderia eu mais esperar.Levantei-me balancei os ombros demonstrando minha incredulidade,desejei boa noite e em seguida retirei-me para os aposentos dos médicos.Confesso,foi muita aporrinhação,eu não agüentava mais aquela estória tola!E a caminho do quarto dos plantonistas cheguei a pensar se o fantasma me aparecesse mesmo iria esconjurá-lo e mandá-lo de volta pro breu de onde saiu!!Esbocei neste momento um sorriso amarelo.
Já no quarto debaixo das cobertas protegido do rigoroso frio daquela noite, comecei a cochilar. Entretanto, meu sangue quente de espanhol, que estranhamente, não havia sido molestado, resolveu acabar com aquilo. O suor já me escorria em gotas quando comecei ouvir um pequeno tilintar no vidro da janela do quarto. Sobressaltado dei um pulo na cama, meu coração palpitava já era evidente a taquicardia, mas não atrevia a levantar-me para ir verificar. Preferi ficar no aguardo se tal situação iria persistir e por vias das dúvidas cobri a cabeça com o cobertor, mesmo com a sudorese fria escorrendo pela minha tez.
Janela com vidros quebrados
 Não demorou muito e uma avalanche de pedras atingiu em cheio o vidro da minha janela, estilhaçando varias partes do mesmo. Não tive dúvidas, diante de fato tão convincente e mesmo com as pernas bambas só restou-me correr e foi o que fiz naquele momento, e nem sequer olhei para trás.
Desta vez,tive a certeza que tratava-se da alma penada da finada Dona Cacilda que voltou dos quintos dos infernos para infernizar o mundo dos vivos.Corri até o Posto de Enfermagem para encontrar-me com os colegas de trabalho e colocar-lhes à par do sucedido.Qual a minha surpresa ao constatar que eles vinham correndo ao meu encontro.A correria era geral...sei não... Melhor sair da frente... Pensei, mas fui logo interpelado pelo esbaforido João, que estava pálido e logo foi alardeando em alto e bom som o sucedido:

-O Doutor ouviu os gritos de lamentos... Ouviu... Ouviu??
Então retruquei: Não!! Mas os vidros da janela do meu quarto estão todos estilhaçados!!Cara... Estou apavorado, então era verdade o que vocês me contaram sobre a tal Sra. Cacilda?

-Não te falei... Não te falei... Insistia, João. Mas o senhor se fez de arrogado e não nos deu ouvidos!!

-O quê faz nesta situação?Perguntei aflito.

-Correr e gritar por socorro!!Sugeriu a Rosângela. Estou com o corpo todo trêmulo e sinto um arrepio correndo a espinha, apressou em dizer.

-Valha-me minha Nossa Senhora!!Retrucou Virgínia; Eu me urinei toda!!Exclamou ainda assustada e preocupada com a sua situação fisiológica.

-Não podemos nos dispersar, disse João, esfregando as mãos úmidas de suor e tentando não demonstrar nervosismo.

Enquanto o grupo discutia entre si, o quê fazer. Eu já tinha decidido. Resolvi às pressas dirigir-me até a porta de saída daquele nosocômio,consultei o meu relógio,que marcava 5:30 horas da manhã,daquele fatídico julho,avistei através de uma janela a densa neblina que se fazia lá fora,mas não pensei duas vezes saí correndo ao encontro do meu carro ,adentrei o veiculo,liguei o motor e sem titubear arranquei-me daquele lugar em alta velocidade mesmo com o perigo da densa neblina .Só parei quando cheguei ao meu destino são e salvo.Se não tivesse o recurso de um carro,certamente estaria correndo até "hoje"!!
Nunca mais voltei naquele lugar, nem para receber pela paga do plantão. Vergonha?...Medo?... Ou talvez uma mistura destes dois sentimentos. Sobre o fato, mais calmo ponderei: Poderia ter sido uma brincadeira?Se for, foi de muito mau gosto e com toque de crueldade!! Quanto ao João, a Rosângela e a Virgínia são nomes fictícios, mas estas pessoas existem, mas eu nunca mais as vi. Hoje tenho comigo uma certeza:

LOS FANTASMAS I NO CREEN, SINO QUE ESO EXISTEN, ELLOS EXISTEN!
FANTASMAS EU NÃO CREIO, MAS QUE ELES EXISTEM,EXISTEM!

 

Crônica: "SERIA TRÁGICO SE NÃO FOSSE CÔMICO!"

                                  Crônica do Livro: "CAUSOS CLÍNICOS"                      

                                                                                                        Autor:Fernando Ortiz 

 

É uma daquelas histórias que a gente memoriza para o resto das nossas vidas e vira e volta, nos a compartilhamos nas rodas de amigos, aonde todos invariavelmente se deleitam e riem aos cântaros, pois é uma história no mínimo inusitada. Neste caso sempre somos-nos o personagem da história, portanto o alvo das chacotas.
É justamente esta história que passo a narrar. Na ocasião era eu o chefe do Ambulatório Médico de uma grande Empresa,que aliás, convém mencionar que era o meu primeiro emprego,isso sempre dá um friozinho na barriga ou será medo? Talvez devido a nossa insegurança, além do mais era com registro em carteira e isso eu lembro era motivo de muito orgulho para mim.
Mas convenhamos, o medo é uma reação protetora e saudável do ser humano. O medo "normal" vem de estímulos reais. A cada situação nova, inesperada, que representa um perigo, surge o medo. Todo mundo teme algo - assaltos, seqüestro, doença, dentista, dor, solidão, o primeiro emprego, entre outros.
E é assim que tudo começou, com o medo de uma doença, mas não pensem que é qualquer doença, destas simplesmente curáveis. Tratava-se da Doença de Chagas, doença adquirida pela picada de um vetor conhecido como "BARBEIRO” que transmite o parasita tripanosoma cruzi*.A transmissão ocorre quando a pessoa coça o local da picada e as fezes infectadas com T.cruzi* eliminadas pelo barbeiro penetram pelo orifício que ali deixou,dando início ao ciclo da doença que acomete vários órgãos do nosso corpo.Quis o destino como médico da Empresa que eu fizesse o diagnóstico justamente desta doença em uma funcionária dos Serviços Gerais da Empresa em questão.E foi num destes exames médicos de rotina.
A paciente Dona Rosa procurou-me no Ambulatório queixando-se de inchaços nas pernas ,e sensação de "fraqueza" e de "canseira",e freqüentes palpitações com intensa "falta de ar".Examinando a paciente,um sintoma me chamou a atenção,ela apresentava bradicardia à ausculta cardíaca.Como saber se um pessoa é chagásica? Pode-se suspeitar caso a pessoa viva em área endêmica. E a Dona Rosa, disse-me que viveram muitos anos no Vale do Jequitinhonha, Norte de Minas Gerais (portanto, área endêmica). Entretanto, para ter-se uma certeza do diagnóstico, exames especiais são necessários, são as chamadas "reações sorológicas". Estas são provas de laboratório realizadas no soro que se obtém no sangue do doente. Através de métodos especiais verifica-se a presença, nesse soro, de partículas que o organismo fabrica contra o tripanosoma cruzi, denominadas "anticorpos". Há vários tipos dessas reações, sendo uma das mais conhecidas a de "Guerreiro e Machado” (nome dado em homenagem aos cientistas que a descreveram).
Neste caso, semanas depois após verificar os resultados dos exames, minha suspeita se confirmara,era Chagas e a doença tinha se manifestado no coração daquela pobre senhora, atingindo as células do miocárdio. Convém ressaltar que dos casos infectados 10% evoluem para o óbito por miocardite chagásica, fase crônica da doença, infelizmente este era o caso da Dona Rosa. Um caso típico com aumento do coração (cardiomegalia) e os pacientes nestes casos estão incapacitados de exercer quaisquer atividades profissionais. Um relevante dado estatístico, no Brasil são 8 milhões de pessoas infectadas.
E quando ocorre o acometimento cardíaco: O coração é, sem dúvida, o órgão mais lesado, dada a preferência do tripanosoma por suas fibras musculares. Baqueando aos poucos, o órgão vai se dilatando e crescendo, atingindo dimensões enormes (Cardiomegalia).
São comuns, nessa fase avançada, os grandes inchaços nas pernas, conforme me mencionara a paciente na ocasião. Aqui, nem sempre pode o médico fazer muito pelo paciente... Em geral, o "chagásico" vem à apresentar estes sintomas tardios e justamente na época em que as pessoas estão mais produtivas, exercendo ativamente seu trabalho e com família constituída. Não são raras, infelizmente, as mortes súbitas e inesperadas entre estes pacientes, aparentemente sadios e em plena vigor físico. Nesses casos as lesões produzidas pelo tripanosoma cruzi afetam gravemente o coração. Isso produz grave desorganização na maneira do órgão contrair-se para bombear sangue, ficando extremamente irregulares as batidas do coração. De repente pode parar de bater e o indivíduo morre inesperadamente.
Com o diagnóstico confirmado e na condição de chefe do Ambulatório Médico cabia a eu comunicar ao chefe do Dep. Recursos Humanos sobre o procedimento que deveria ser tomado nesta situação!!
Sr.Osvaldo

Pedi ao o Sr.Osvaldo, que respondia interinamente por este setor que viesse o mais prontamente a minha sala. Assim o fez passados alguns minutos o Sr.Osvaldo bate a minha porta:
-Entre, Sr.Osvaldo e se acomode que temos um assunto para tratarmos!Do que se trata, Doutor?Indagou-me o mesmo, continuei:
-Lembra-se da Dona Rosa?Perguntei-lhe. Naquele momento ele pôs-se a refletir e coçando o queixo respondeu-me:
-Sinceramente não!!Tentei descrever a tal senhora, mas ele demonstrava-se reticente:
-Definitivamente não!!E permaneceu em silêncio. Olhei para aquele homem careca, baixinho - já irritado perguntei pela ultima vez:
-Quer dizer que o Senhor não conhece a funcionária em questão?Pois quero que o Senhor saiba que se trata de um caso clínico grave, e eu terei que comunicar a Diretoria desta Empresa!!
-Peraí Doutor, o senhor agindo assim, esta passando por cima de minha "Autoridade"!!
-Que Mané "Autoridade”... O que eu estou comunicando-lhe é um fato de extrema gravidade!!
-Doutor, eu acho que sei de quem o Senhor esta falando... É aquela senhora que o Senhor consultou ontem, e deu-lhe um atestado de um mês?
-Pois, é desta pobre senhora que estou falando...
-Foi bom o senhor ter tocado no assunto... Porque eu já estava pensando em vim falar-lhe a respeito...
-Da Doença da Dona Rosa?Perguntei.
-Não!!...Do Atestado de um Mês que o senhor deu a ela... Isso era mesmo preciso?Sabe Doutor, nos estamos com falta de Pessoal!!E esta gente não é muito avessa ao trabalho... Faz corpo mole, entende?
Levantei-me da cadeira e decidi despachar aquele infeliz:
-Passar bem, Sr.Osvaldo!! Nos não temos nada para conversarmos!!-o sujeito na caradura e com cinismo retrucou:
-Doutor se eu disse alguma coisa que não devia peço-lhe mil desculpas!!-refreei meus impulsos, pensei e ponderei:
-Esta certo então Sr.Osvaldo... Podemos tentar conversar!!-e arrematei:
-A Dona Rosa que esta lotada no Dep. Serviços Gerais, esta incapacitada de exercer quaisquer tipos de atividades físicas, devido ao seu quadro clínico...
-Temporariamente, não é Doutor?
-Não Sr.Osvaldo o caso é definitivamente!!Rebati.
-Não me diga Doutor!!Do que se trata??
-O caso da Dona Rosa é de aposentadoria por invalidez, esta senhora sofre de Doença de Chagas!!
Aliás, vou lhe explicar, na fase aguda da Doença, logo após a contaminação, surgem nos pacientes reações inflamatórias que são comuns devido à multiplicação intracelular do parasita, o que provoca mobilização do sistema imunológico. Pode se seguir um período de latência de duração variável de10 há 20 anos, sem grandes manifestações, e o chagásico entra na fase crônica, que é o caso específico da Dona Rosa, quando começam a surgir os problemas cardíacos. Insuficiência cardíaca, cardiomegalia (dilatação do coração), problemas na formação e condução dos estímulos cardíacos, que podem levar à morte súbita.
-Poxa, Doutor!Que doençinha triste... Mas já vou providenciar a papelada da aposentadoria da Dona Rosa!!-entusiasmei-me e completei:
-Faça isso, mas faça o mais depressa possível... Porque as batidas do coração vão ficando irregulares. E de repente pode parar de bater e a Dona Rosa pode morrer inesperadamente antes da Aposentadoria!!
-Vira esta boca pra lá, Doutor!!Vou-me embora que tenho muita coisa para fazer ainda hoje!!-Com a saída daquele ignóbil Senhor pude novamente respirar aliviado, enfim tinha resolvido em parte o caso daquela senhora... Valeu até o susto que dei no tal Sr.Osvaldo.
Duas semanas se passaram e eis que um dia adentra a minha sala espavorido o tal Osvaldo:
-Acuda-me, Doutor!!Acuda-me, Doutor!!-dizia em alto e bom som o Sr.Osvaldo. Imediatamente fui ao seu encontro e o conduzi a uma cadeira e indaguei:
-O quê aconteceu Sr.Osvaldo? -ainda ofegante respondeu-me:
-A mulher bateu a caçoleta... A mulher bateu a caçoleta!!-repetia ele.
-O quê aconteceu de fato Sr.Osvaldo, conte-me... -insistia eu.
-Bem que o Senhor disse Doutor!-eu continuava sem entender nada.
-Aconteceu como o Senhor havia me alertado... A mulher estava ali na minha frente e de repente ela caiu durinha!-sem ainda entender, insisti:
-O Senhor poderia se explicar melhor...
-Estou falando da Dona Rosa... Ela morreu... Ela morreu!!
-Não é possível... Conte-me quando isso aconteceu?
-Ontem pela manhã... Eu pedi para chamá-la para explicar toda a papelada de sua Aposentadoria... Eu estava falando com ela e de repente ela caiu bem na minha frente... Meu Pai do Céu... Eu estava explicando para ela e de repente ela morre... Na minha frente!!
-Não pode ser, lamentei. Eu tinha prevenido o Sr!!-desabafei.
-Pois é eu até procurei pelo Doutor, mas disseram-me que o Sr não se encontrava na Empresa!!
Eu gostaria que o senhor explicasse-me novamente como isso pode acontecer?-perguntou-me já mais calmo, mas ainda transpirando muito.
-Vou explicar-lhe novamente, preste atenção!!-Peguei uma folha de papel e desenhei nela dois corações, um em tamanho normal e o outro muito maior e continuei a explicação:
-Este coração é normal, o outro é maior, cujo qual se chamou de coração de boi, devido a sua grande dimensão, é o coração do Chagásico. Neste caso o tripanosoma cruzi afeta gravemente o sistema nervoso deste coração doente. Isso produz grave desorganização na maneira do órgão contrair-se para bombear sangue, ficando extremamente irregulares as batidas do coração. Portanto, pode parar de bater e o paciente morre inesperadamente, estas foram minhas últimas palavras, pois de repente minha visão ficou turva, inclinei a cabeça em direção a mesa, batendo fortemente a região da face sobre o tampo de vidro da mesma... Penso ter permanecido alguns segundos desmaiado... Só ouvi a partir dali gritos de socorro do Sr.Osvaldo.
-Acudam... Acudam... O médico morreu também!!!-dizia ele aos berros pelo corredor do Ambulatório.
Imediatamente um grupo de pessoas adentraram a sala e eu fui conduzido meio desacordado para uma maca. Veio ao meu encontro um colega médico que prontamente iniciou os primeiros socorros.
Enquanto ele verificava minha pressão arterial, eu era também medicado. E de onde eu estava mesmo deitado e obnubilado dava para avistar uma cabeça "saltitante” no meio de uma dezena de curiosos. Era um homem baixinho, careca e neste alvoroço pude então distinguir sua voz que insistentemente perguntava:
Sr.Osvaldo

-ELE MORREU? ELE MORREU?NÃO É POSSÌVEL SÓ COMIGO ISSO ACONTECE!VALHA-ME MINHA NOSSA SENHORA! POR FAVOR, O MÉDICO MORREU?ALGUÉM AÍ ME RESPONDA, EU PRECISO SABER?Podem acreditar, era o Sr.Osvaldo que perguntava insistentemente por mim para todos.
Após o incidente, contaram-me que na ocasião fui vítima de uma síncope devido a uma crise hipertensiva, hoje controlada.
Quanto ao Sr.Osvaldo nunca mais ouvi falar dele, soube que tinha deixado a Empresa e mais nada.
Quanto a mim DEDICO MINHA VIDA EM CUIDAR DA SAÚDE E DO BEM ESTAR DO PRÓXIMO!

 

Crônica: "À NOITE TODOS OS GATOS SÃO PARDOS"

                       Crônica do Livro: "CAUSOS CLÍNICOS"                    


                                                                                                                                                                                                                                                                                Autor: Fernando Ortiz

    

Numa de minhas folgas dos plantões,fui ao cinema com um grupo de amigos,entre eles um que chamava-se Alfredo (conhecido como “Fredão”).Fomos assistir ao filme:Zorba, o Grego.Trata-se de um filme grecoamericano rodado em 1964 e a película era em preto e branco, baseado no romance homônimo de Nikos Kazantzakis.
O filme foi dirigido magistralmente por Michael Cacoyannis e o personagem-título foi interpretado por Anthony Quinn — que não era grego, mas sim irlandês mexicano. O elenco incluiu Alan Bates como um visitante britânico. O tema musical, "Sirtaki", de Mikis Theodorakis, tornou-se famoso e popular como canção e dança (especialmente em festas).
O filme foi rodado na ilha grega de Creta.E alguns lugares específicos incluem a famosa cena onde o personagem interpretado por Quinn dança o Sirtaki que foi filmado na praia do vilarejo de Stavros.Filme brilhante do genial diretor Cacoyannis!   
"Fredão" já o tinha visto pela terceira vez, mas não fazia questão de nos acompanhar em nova sessão de cinema. Acomodados que estávamos nas poltronas do cinema,eis que avisto de longe,nas primeiras fileiras nosso amigo "Cabeção",assim chamado devido sua reluzente careca!!
Sem pensar duas vezes, levantei-me e fui ao encontro deste amigo. Percebi que "Fredão" quis esboçar algum comentário,mas la fui eu em direção ao "Cabeção".Cheguei por trás,para não ser identificado e ao aproximar-me daquela reluzente careca,não me contive,dei-lhe um tapa na cabeça e arrematei :
-"Cabeção" seu malandro, você deveria estar trabalhando hoje?Imediatamente ele levou à mão na cabeça para proteger-se do tapa desferido por mim e virando-se com expressão de indignação e dor,esbravejou:
-Que pôrra é essa, cara!! Você está Maluco?Que papo furado é esse ?! Retrucou o careca. No mesmo momento percebi que não se tratava do meu amigo "Cabeção", e sim de um sujeito também careca ,muito parecido com meu amigo e agora furioso!!
Fileira atrás de mim estava o "Fredão" e todo o grupo a rir copiosamente do meu mal entendido. Expliquei ao desconhecido que havia muita semelhança entre ele e o meu amigo, e pedi mil desculpas pelo sucedido!!O sujeito contrariado, acabou aceitando minhas desculpas e eu mais que depressa e envergonhado voltei para minha poltrona no cinema!
O "Fredão" ainda ria e disse-me: Eu até tentei avisá-lo... mas foi em vão!
A luz do cinema já estava se apagando, sinal que o filme estava por começar... Quando de repente,sem mais e sem menos,"Fredão"agora sério olha-me e lança-me um desafio:Você teria coragem de voltar lá e bater novamente na cabeça daquele careca?Prontamente, respondi que:
- NÃO!!
Ele não se conteve e desafiou-me:
-Aposto com você mil reais... nota de cem sobre nota de cem!!
Disse-lhe que não!!E pedi que esquecesse o assunto!! 
Insistentemente ele continuou:
-Dobro à aposta para dois mil reais... Duvido que você consiga!!
Pensei com meus botões, é uma boa soma em dinheiro, e está fazendo-me falta!Sem pestanejar,e antes que o "Fredão" desistisse da oferta,disse-lhe:
-Aceito!!E imediatamente fui ao encontro daquela reluzente careca, no escuro do cinema. Aproximei-me bem devagar e desferi um tremendo tapa novamente na cabeça do careca e emendei:
-"Cabeção" você por aqui, seu safado!O sujeito sem entender o que estava acontecendo, olhou-me com os olhos arregalados e eu continuei:
-Você nem imagina o que aconteceu comigo agora a pouco... Eu dei um tapa na cabeça de um careca, pensando que fosse você... Só comigo acontece uma coisa desta: Confundi você com outra pessoa!!
Nem esperei pela reação do sujeito, voltei mais que depressa para a minha poltrona no cinema... "Fredão" estava mudo... Não era para menos tinha acabado de perder dois mil reais!!!
Sorri sem graça, no fundo gabava-me da minha traquinice... Afinal, tudo não passou de uma simples brincadeira de um estudante de medicina!!