Autor:Dalton Trevisan
— Sabe que toda família curitibana tem um louquinho fechado no porão?
— ...
— Não. Sente no sofá. Aqui é melhor.
— Estou com pressa doutor.
— É loiro natural teu cabelo?
— Clareio com xampu.
— Pensou na minha proposta?
— Não vim aqui para isso.
— De fato. É que a assinatura na procuração não confere.
— Uns rabinhos que inventei. Para enfeitar. Só de nervosa.
Pego na mãozinha — ela deixa.
— O que eu quero é isso. Por mim ficava a manhã inteira. Namorando você. Mãozinha dada. É o que me basta.
Longe o olhinho azul, quem está enjoada de ouvir elogio.
Me achego e beijo a face — sem pintura, que maravilha. Fagueira penugem de nêspera madurinha.
— Na boquinha? Bem de leve.
— Não.
— Hoje está cheirosa.
Perfumou-se para vir aqui. Mais indiferente que pareça.
— É francês.
— Nem precisa. Já viu macieira iluminada em flor toda suspirosa de abelha?
É você.
— ...
— Me conte a tua vida. Disse que trabalha desde os onze anos. O que aconteceu nos últimos dez?
— Primeiro a mãe veio morar aqui. Viúva, uma tropa de filhos. De oito sou a terceira. Ela não se acostumou. Daí eu fiquei. Como um traste esquecido.
— Morava com quem?
— Na casa de outra menina.
— Pagava com meu trabalhinho. Na vida nada é de graça. Daí fui mudando de emprego. E hoje aqui estou. Sofrida e triste.
— Esses anos terão sido difíceis. Não quer ou não gosta de falar? A palma de tua mão está úmida. Será de aflita?
Os dedos entrelaçados, vez em quando os aperto — uma em cinco ela responde.
— Acho que sim.
— De mim não tenha medo.
— E hei de ter?
— Já que não fala de tua vida. Me conte como você é. Que mãozinha linda. Quanto você tem de quadril?
— Não sei.
Afagando e medindo coxa acima.
— Calculo uns noventa.
— Emagreci bastante.
— E o teu peitinho? Posso pegar?
Alcanço o primeiro botão da blusinha branca, já se defende.
— Assim não.
— Como será que é? Muita vontade de ver o biquinho.
— Igual ao das outras.
— Aí que se engana. Cada peitinho é diferente. Um tem o bico mais escuro. Outro durinho e rosado. O teu deve ser assim.
— Nunca reparei.
— Sabe que um é mais pequeno que outro? Será o teu esquerdo?
— ...
— De uma, o seio raso da taça de champanha. De outra, bojudo copo de conhaque para aquecer na palma da mão.
— ...
— Pensou na minha proposta? Umas poucas de concessões.
— Como assim?
— Primeiro pego na tua mão. O que já deixou. Isso é bom. Me faz tanto bem.
Não me contenho e agarro uma e outra.
— Depois te apalpo. Aqui.
Em delírio apalpo a coxa trêmula.
— Daí te beijo. Não esse beijinho na face. Um turbilhão louco de beijos.
E dou um, dois, três. De leve, para não assustar.
— Enfim um beijo de língua. Que você retribui.
Dardejo a lingüinha de lagartixa sequiosa debaixo da pedra.
— Sabe o que é acabar?
— ...
— Sabe ou não?
— Para mim é terminar alguma coisa.
— Não é bem isso. Os livros dizem orgasmo. A parte mais gostosa do ato sexual. Já experimentou?
— Não sei o que é.
— Será que é fria? Ou não achou quem te entendesse. Te iniciasse com doçura e paciência. Sabe o que eu faria?
— ...
— Te ajudava a baixar essa calça azul. Abria as tuas pernas. E com este dedinho acordava o teu vulcão.
— Credo, doutor.
Interessada, quem sabe. Um tantinho incrédula.
— Nunca mais seria a mesma. Chamaria você de nuvem, anjo, estrela. O que alguém jamais disse a ninguém. Sabe, Maria?
— ...
— Você é a redonda lua verde do olho amarelo...
— Nossa, doutor.
— ...que, aos cinco anos, desenhei na capa do meu caderno escolar.
— ...
— Mimosa flor com duas tetas. Dália sensitiva com bundinha.
— ...
— Uma empadinha recheada de camarão e premiada com azeitona preta.
— ...
— Já viu canarinha branca se banhando de penas arrepiadas na sua tigela florida?
— ...
— Você faz de mim uma criança com bichas que come terra.
— Assim eu encabulo, doutor.
— No meio das pernas um botão chamado cli-tó-ris. Ali é que meu dedinho ia bulir.
Cada vez mais afrontada e afogueada.
— Depois te beijava da ponta do cabelo até a unha encarnada do pé. Cada pedacinho escondido de teu corpo. Afastava essa coxa branquinha de arroz lavado em sete águas. E me perdia no teu abismo de grandes lábios de rosa.
Agora a mãozinha quente e molhada.
— Sou homem de certa idade. Com a minha vivência faria você sentir prazer até no terceiro dedinho do pé esquerdo. De tanto gozo sairia flutuando pela janela sobre os telhados da praça Tiradentes.
— ...
— E virgem, se quiser, você continua.
—...
— Juro que te respeito. Como está me vendo assim eu fico: todinho vestido. De colete abotoado e gravata.
— ...
— Até de óculo. Só tiro o paletó. Nenhum perigo para você.
— ...
— Em troca dessa alegria lhe ofereço um prêmio. Duas notas novas.
—...
— Quer experimentar hoje?
— Próxima vez eu resolvo.
— Por que não agora? Já está aqui. Tão fácil. Até chovendo. Mais aconchegante.
— Hoje, não.
— Você que sabe. Só não creio na tua frieza. Tudo me diz que é moça fogosa. Essa boca vermelha e carnuda. É de quem gosta. Mais uma coisa, anjo. Enquanto eu falava, o teu narizinho abria e fechava.
— ...
— Veja. Como está fremente.
— ...
— Ninguém te diz nada? O noivinho não te canta?
— Cantar, todos cantam. Eu sei me defender.
— Por que a cisma da virgindade? Se gosta dele, algum mal em deitar no sofá?
— Prefiro assim. Ele é ciumento. Sempre está brigando.
— Monstro moral. Só quer para ele. Já provou beijo de noventa segundos?
— Não contei.
— Ao teu noivo falta imaginação. Fico um dia inteiro olhando você. De joelho e mão posta. Louvado essas graças que Deus te deu. Agora um beijinho. Na boca.
Seguro o rosto, forcejo, ela resiste.
— Ah, ingrata. Que tamanho o teu pé. Isso você sabe.
— Trinta e cinco.
— Bonitinho deve ser. Aposto que sem joanete. Sabe que as moças se masturbam? Você não tem experiência? Todas têm. De noite pensa num rapaz bonito e brinca com o dedinho. Nunca fez isso?
Sem resposta.
— Teu noivo é bonito?
— Nem tanto.
— Então algum artista famoso. Deixa ler a palma da mão.
De repente muito curiosa.
— Este xis é uma boa notícia. Que não esperava.
— O quê?
— Rolar comigo no tapete.
Nem sorri.
— Você não sonha, amor?
— Todos sonham. Eu, ter o meu cantinho.
— Não é isso. De olho aberto. Visões eróticas. Em toda família...
— É tarde. Preciso ir, doutor.
-- Então me dá um abraço. Assim.
Envolvo-a nos braços. Ela não corresponde.
— Ai, me deixa. Beijar essa carinha mais santa.
E osculo as duas faces rosadinhas.
— Agora a tua vez.
Um furtivo beijo. Seco, unzinho só.
— Aqui o teu presente.
— Não posso, doutor.
-— Sabe que toda família curitibana...
— Sou moça de princípios.
— ...tem um louquinho fechado no porão?
— Cruzes, doutor.
Ó maldito Minotauro uivando e babando perdido no próprio labirinto.
— Me trate de você. Doutor já não sou. Apenas um doidinho manso. De paixão cativo.
Indecisa, morde o beicinho.
— De mim o que vai pensar?
Guarda na bolsa as duas notas. E concede o primeiro sorriso.
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