domingo, 19 de dezembro de 2010

CRÔNICA DA CIDADE DE HAVANA



Autor:Eduardo Galeano
  
   Os pais tinham fugido para o Norte. Naquele tempo, a revolução e ele eram recém nascidos. Um quarto de século depois, Nelson Váldes viajou de Los Angeles a Havana, para conhecer seu país.
   A cada meio dia, Nélson tomava o ônibus, a guagua 68, porta do hotel, e ia ler sobre Cuba.Lendo passava as tardes na biblioteca José Martí, até que a noite caía.
   Naquele meio-dia, a guagua 68 deu uma tremenda freada num cruzamento. Houve gritos de protesto, pela tremenda sacudida, até que os passageiros viram o motivo daquilo tudo: uma mulher exuberante, que tinha atravessado a rua.
   - Me desculpem, cavalheiros - disse o motorista da guagua 68, e desceu. Então todos os passageiros aplaudiram e lhe desejaram boa sorte.
   O motorista caminhou balançando sem pressa, e os passageiros viram como ele se aproximava da maravilha que estava na esquina, encostada no muro, lambendo um sorvete. Da guagua 68 os passageiros seguiam o ir-e-vir daquela língua que beijava o sorvete enquanto o motorista falava e falava sem resposta, até que de repente ela riu, brindou-lhe um olhar. O motorista ergueu o polegar e todos os passageiros lhe dedicaram uma intensa ovação.
   Mas quando o chofer entrou na sorveteria,produziu-se uma certa inquietação generalizada E quando depois de um instante saiu com um sorvete em cada mão, espalhou-se o pânico nas massas.
   Tocaram a buzina. Alguém grudou-se na buzina com alma e vida, e tocou a buzina como alarme de roubos ou sirene de incêndios; mas o motorista, surdo, continuava grudado na maravilha.
   Então avançou, lá dos fundos da guagua 68, uma mulher que parecia uma bala de canhão a tinha cara de mandona. Sem dizer uma palavra, sentou-se no assento do chofer e ligou o motor. A guagua 68 continuou sua rota, parando nos pontos habituais, até que a mulher chegou no seu próprio ponto e desceu. Outro passageiro ocupou seu lugar, durante um bom trecho, de ponto em ponto, e depois outro, e outro, e assim a guagua 68 continuou até o fim.
   Nelson Valdés foi o último a descer. Tinha esquecido a biblioteca.

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