Autor:Fernando Ortiz
Foto da Maria Louca |
Lembro-me, tinha aproximadamente
uns cinco anos de idade. Usava calças curtas com suspensórios e ficava sempre
debruçado sobre uma janela que se abria para rua, assim com ajuda de uma cadeira
a qual me apoiava, eu passava horas do dia espiando os movimentos dos
transeuntes que passavam. Carros naquela época eram escassos, mas pessoas
transitando eram muitas. E eu ficava fascinado com minha diversão, pois
descobria diversos tipos de pessoas, até então desconhecidas para mim. Enfim,
descobria o mundo além dos rostos conhecidos da minha família. E eis que me
deparei certa vez com uma mulher com os cabelos desgrenhados, que vinha
caminhando do outro lado da calçada, toda maltrapilha, com uma expressão de
botar medo, gesticulava muito e falava sozinha. Quando avistei esta figura
horripilante, estremeci dos pés a cabeça, e minha reação de imediato foi fechar
a janela e esconder-me debaixo da cama até o medo passar. Contei o fato para vó “Mariquinha”, apelido carinhoso de Dona Maria de Moura Neves (minha
avó), que de pronto aconselhou-me para afastar-me de tal mulher, pois tratava-se
da temível "Maria Louca",raptora de crianças.Isso encheu-me de mais medo e
temor!
Minha avó percebendo meu abalo
emocional abraçou-me e cobriu-me de beijos, acolhendo-me em seu aconchegante e
doce colo. E eu fiquei aninhado por horas até sentir-me bem
novamente.
Minha avó dizia em alto e bom
som que era seu "porretinho”, pois ela tinha dificuldade para caminhar, então
ela se apoiava em mim. E assim me levava com ela em suas visitas à suas amigas,
nestes encontros elas conversavam muito sobre a vida e a família. Toda esta
conversa era permeada por chá e biscoitos, estes eram os meus prediletos. Na
maior parte do tempo, permanecia quieto e calado!E essa atitude, era elogiada
pelas amigas de minha avó!Vezes e outras eu era tentado pela minha curiosidade a
mexer nos objetos ao meu redor! Certa vez na casa de uma amiga de minha avó,
Dona Belinha, fiquei tentado a tocar num vaso de porcelana. Na mesma hora, a
tal senhora chamou minha atenção e sem que minha avó percebesse
aplicou-me vários beliscões no braço. Lembro-me até hoje que doeu muito, contive
meu choro, mas as lagrimas foram inevitáveis e minha avó não se deu conta da
situação!E toda vez que ela resolvia voltar a visitar esta senhora eu relutava
em ir!Chorava muito e argumentava que na casa daquela senhora eu não voltaria
nunca mais!Minha avó ficava sem entender minha atitude e eu jamais lhe contei o
motivo!
Ela me levava também às missas,
eram todos os dias. E eu permanecia muitas vezes em pé por horas, por falta de
lugar para sentar. Outras vezes sentava-me no colo de minha avó. Mas, a ida às
missas para mim era a maior amolação, pois eu não entendia nada que o padre
dizia, pois a pregação era toda dita em latim. Isso era uma chatice!Minha avó
percebendo este fato resolveu a questão, subornando-me com um bolinho chamado
"Mãe Benta”, que ela adquiria numa padaria próxima e me ofertava após as
missas!Assim eu passei a acompanhá-la as missas sem reclamar!Enfim, eu era seu
"porretinho" e um grande apreciador de "Mãe Benta"!
Certa vez, minha avó precisando
ir à padaria que ficava a um quarteirão de nossa casa, deixou a porta
entreaberta, e aconselhou-me que não saísse em hipótese nenhuma para rua, e que
eu ficasse tranquilo que ela voltaria em instantes, naquele dia estava somente
eu e ela em nossa casa!Assim eu fiz, fiquei sentado no sofá de casa aguardando a
volta de minha avó!Após angustiosos minutos de espera, tocaram a
campanhia!Pensei com meus botões: A porta está semi-aberta, porque estaria minha
avó tocando a campainha?Mas levado pela alegria de vê-la novamente, corri até a
porta e a abri por completo!E tive a maior decepção, pois de frente para mim
estava a "Maria Louca”, que me indagou: Têm alguém em casa moleque?Estremeci por
completo, o medo tomou conta de mim, imediatamente meu coração disparou e não
pensei duas vezes corri para o interior da casa e me escondi debaixo da cama dos
meus pais e ali permaneci. Ouvi os passos daquela mulher invadindo a casa, e ela
passou pelo quarto e caminhou até a cozinha. Mexeu nas panelas!E em seguida
passou a procurar-me pela casa e dizia: Vou te pegar menino!Esteja onde
estiver seu danado!
Logo me avistou debaixo da cama,
e estendeu sua mão para puxar-me pelas pernas,vivi momentos de terror,fiquei
paralisado de medo!Até que a "Maria Louca” conseguiu agarrar-me por uma perna e
me arrastou-me até a porta da minha casa!E segurando forte pelo meu braço
levou-me para rua!Gritei por socorro diversas vezes... Na esperança que algum
vizinho ouvisse!Quanto mais eu gritava mais ela gargalhava!E assim foi me
levando para longe de minha casa. Estava rouco de tanto gritar,quando o dono do
bar ,que ficava na esquina de casa, arrancou-me bruscamente dos braços
daquela doida e segurou-me no colo, protegendo-me! E com safanões e palavrões
afastou aquela mulher para longe de mim!Entre choro e soluços,ele me
acalmou,segurando na minha mão levou-me de volta para minha casa!No caminho
encontramos com minha avó que já vinha ao meu encontro, também em prantos!E
perguntava ela: Onde você estava Fernandinho?
O homem que me salvará das
mãos daquela mulher, explicou o sucedido para minha avó!Ela surpresa,comovida
agradeceu e ainda em prantos abraçou-me e beijou-me e acolheu-me em seu
aconchegante colo e disse-me baixinho: Perdoe sua avó, Fernandinho!E pediu-me
para guardar segredo deste fato!
Somente agora após 50 anos de
sua morte estou tornando público este acontecido!Perdoe-me pela indiscrição vó
“Mariquinha”!
Caro Fernando,
ResponderExcluirVocê saberia dizer se sua avó, "Maria de Moura Neves", era Portuguesa? Minha bisavó também se chamava Maria de Moura Neves e as épocas "batem", e era Portuguesa, e estou montando a Árvore Genealógica da família, ela teve pelo menos 4 filhos que tenho conhecimento, Carlos de Moura Neves, Américo de Moura Neves, os outros 2 não sei ao certo os nomes, seria Amélia ou Amália, e o 4 não sei o nome.
Se for a mesma pessoa e puder ajudar a preencher as lacunas agradeço :)
Carlos.