quinta-feira, 12 de abril de 2012

Crônica: ”História de uma crise convulsiva”

                    Crônica do Livro: "CAUSOS CLÍNICOS"              

                                                        Autor:Fernando Ortiz


João Lapinha
Era um final de tarde quente, inicio de mais um plantão médico. Na minha tez escorria uma fina gota de suor, mas já havia marca do mesmo na minha  camisa, demarcando a região das axilas.
Eis que adentra o consultório um homem algemado e escoltado por um guarda. Olho com espanto, mas logo o policial se apressa em explicar:
-Doutor, eu estou escoltando o preso para sua consulta rotineira!
Olho para aquele homem cabisbaixo e logo retruco:
-O senhor poderia fazer a gentileza de soltar as algemas para que eu possa examiná-lo?
-Sim, Doutor!Ele não representa nenhum perigo, trata-se de um tremendo "171"!Mas, cuidado com a carteira!O vagabundo é especialista em bater carteiras!Advertiu o guarda em tom jocoso, para em seguida abrir as algemas. O homem sentindo-se mais à vontade, esfrega as mãos, coça a cabeça e esboça um sorriso amarelo. E resolve contar sua história:
-Doutor, entrei nesta vida porque estava na pior.Parece que eu nasci com o urubu plantado no meu destino. Daí, já viu.não tive outro jeito...comecei a bater umas carteiras e aplicar uns pequenos golpes nos otários...E como tem otário neste mundo!!E continuou:
-Até que uma madame,vítima de um golpe que eu apliquei,resolveu bater com a língua nos dentes e me caguetou para os homens!Fui pego com a boca na botija. E acabei em cana!Enquanto escutava atento, ele desatou a falar:
-Esse lance de bater carteira, não é bolinho, é coisa séria!Tenho muitos anos de janela!Mas, o macete é aplicar golpes em otários, rende mais, só precisa de um bom papo e pronto, o vacilão caí que nem patinho!Então resolvi interrompê-lo, e comecei a questioná-lo:
-Como é o seu nome?Indago. Meio ressabiado, mas não perdendo a pose, ele responde:
-Eu sou João Lapinha, mas pode me chamar de "Boca-Mole"! Sou um cara maneiro, pintoso, sempre fui muito bem quisto pelo mulherio. Agora estou entregue às traças. E matando cachorro a grito. Mas, um dia eu vou sair dessa vida. Nasci pra ser tratado a pão-de-ló. E, no entanto, estou só me dando mal. Um dia eu tiro o pé da merda. Juro por essa luz que me ilumina!Completou.
 Torno a inquiri-lo:
-Qual o motivo da consulta?Ocorre uma longa pausa, mas enfim responde:
-Sabe Doutor... Dizem que sou epilético... Quando tenho uma crise,dizem que eu me debato,reviro os olhos e a boca fica espumando, igual a cachorro louco!
É assim mesmo?Pergunta ele.
-Sr. João, as convulsões causam movimentos involuntários em ambos os lados do corpo, resultando na contração súbita dos músculos, que são os espasmos musculares, e como envolvem a perda do controle muscular, fazem a pessoa desmaiar ou cair. Sendo acompanhada pelos sinais de aumento da produção de saliva e olhar fixos dos olhos. Entendeu?Perguntei.
-Mais ou menos!Retrucou meio desconfiado.
-Explico melhor: Epilepsia é uma doença neurológica crônica, podendo ser progressiva em muitos casos. E é caracterizada por crises convulsivas recorrentes!Continuei minha explicação:
-Uma crise convulsiva é uma descarga elétrica cerebral desorganizada que se propaga para todas as regiões do cérebro, levando a uma alteração de toda atividade cerebral. Podendo ocorrer alterações motoras, nas quais os indivíduos apresentam movimentos de flexão e extensão dos mais variados grupos musculares, além de alterações sensoriais, e ser acompanhada de perda de consciência e perda do controle esfincteriano. Concluí.
-Ah... Isso eu sei, o sujeito fica todo mijado e cagado!E riu, para em seguida perguntar:
-Eu tenho esse troço? Tem cura?Porque eu tomo o remédio há muito tempo e até agora não melhorei!Apressei-me a responder:
-O tratamento da epilepsia é realizado através de medicamentos que controlam a atividade anormal dos neurônios, diminuindo as cargas cerebrais anormais. Resultando no controle das crises ou à diminuição da freqüência e intensidade das mesmas!
-Então receita para mim este santo remédio, que eu quero ficar bom logo!Respondeu.
-Antes o senhor terá que submeter-se à  um exame físico e neurológico completo. Em seguida solicitarei  exames laboratoriais de praxe (hemograma completo, glicemia, cálcio, uréia, etc.). E também um E.E.G. - Ele não se conteve e desabafou:
-O senhor esta zoando com a minha cara?...Esta de sacanagem comigo?Vai me dizer que tudo isso é preciso para o senhor me dar uma simples receitinha?Indagou. Minha resposta foi lacônica:
-Sim!Ele no entanto, restringiu a resmungar baixinho:
-Que saco!
Fiz-me de desentendido e continuei meu exame neurológico e em seguida solicitei os exames complementares necessários, e por fim prescrevi o tão aguardado anticonvulsivante!De posse da receita, ele exclamou:
-Bendito remedinho! Se não funcionar, eu sei que pelo menos dá sono!Obrigado, Doutor!
Foi novamente algemado, levantou-se da cadeira e foi conduzido pelo guarda até a saída,mas parou,pensou e voltou. E agachando-se  até mim, confidenciou-me baixinho:
-Doutor eu não tenho a tal doença, eu simulo os ataques, para poder sair da cadeia de vez em quando e respirar um ar de liberdade!(Soltou uma sonora gargalhada.)E foi-se embora...Quanto a mim: Fiquei boquiaberto! 



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