Crônica do Livro: "CAUSOS CLÍNICOS"
Autor:Fernando Ortiz
João Lapinha |
Eis que adentra o consultório um
homem algemado e escoltado por um guarda. Olho com espanto, mas logo o policial
se apressa em explicar:
-Doutor, eu estou escoltando o
preso para sua consulta rotineira!
Olho para aquele homem cabisbaixo
e logo retruco:
-O senhor poderia fazer a
gentileza de soltar as algemas para que eu possa
examiná-lo?
-Sim, Doutor!Ele não representa
nenhum perigo, trata-se de um tremendo "171"!Mas, cuidado com a
carteira!O vagabundo é especialista em bater carteiras!Advertiu o guarda em tom
jocoso, para em seguida abrir as algemas. O homem sentindo-se mais à vontade,
esfrega as mãos, coça a cabeça e esboça um sorriso amarelo. E resolve contar sua
história:
-Doutor, entrei nesta vida porque
estava na pior.Parece que eu nasci com o urubu plantado no meu destino. Daí, já
viu.não tive outro jeito...comecei a bater umas carteiras e aplicar uns pequenos
golpes nos otários...E como tem otário neste
mundo!!E continuou:
-Até que uma madame,vítima de um
golpe que eu apliquei,resolveu bater com a língua nos dentes e me caguetou para
os homens!Fui pego com a boca na botija. E acabei em cana!Enquanto escutava
atento, ele desatou a falar:
-Esse lance de bater carteira, não
é bolinho, é coisa séria!Tenho muitos anos de janela!Mas, o macete é aplicar
golpes em otários, rende mais, só precisa de um bom papo e pronto, o vacilão caí
que nem patinho!Então resolvi interrompê-lo, e comecei
a questioná-lo:
-Como é o seu nome?Indago. Meio
ressabiado, mas não perdendo a pose, ele responde:
-Eu sou João Lapinha, mas pode me chamar
de "Boca-Mole"! Sou um cara
maneiro, pintoso, sempre fui muito bem quisto pelo mulherio. Agora estou
entregue às traças. E matando cachorro a grito. Mas, um dia eu vou sair dessa
vida. Nasci pra ser tratado a pão-de-ló. E, no entanto, estou só me dando mal.
Um dia eu tiro o pé da merda. Juro por essa luz que me
ilumina!Completou.
Torno a
inquiri-lo:
-Qual o motivo da consulta?Ocorre
uma longa pausa, mas enfim responde:
-Sabe Doutor... Dizem que sou
epilético... Quando tenho uma crise,dizem que eu me debato,reviro os olhos e a
boca fica espumando, igual a cachorro louco!
É assim mesmo?Pergunta
ele.
-Sr. João, as convulsões causam
movimentos involuntários em ambos os lados do corpo, resultando na contração
súbita dos músculos, que são os espasmos musculares, e como envolvem a perda do
controle muscular, fazem a pessoa desmaiar ou cair. Sendo acompanhada pelos
sinais de aumento da produção de saliva e olhar fixos dos olhos.
Entendeu?Perguntei.
-Mais ou menos!Retrucou meio
desconfiado.
-Explico melhor: Epilepsia é uma
doença neurológica crônica, podendo ser progressiva em muitos casos. E é
caracterizada por crises convulsivas recorrentes!Continuei minha
explicação:
-Uma crise convulsiva é uma
descarga elétrica cerebral desorganizada que se propaga para todas as regiões do
cérebro, levando a uma alteração de toda atividade cerebral. Podendo ocorrer
alterações motoras, nas quais os indivíduos apresentam movimentos de flexão e
extensão dos mais variados grupos musculares, além de alterações sensoriais, e
ser acompanhada de perda de consciência e perda do controle esfincteriano.
Concluí.
-Ah... Isso eu sei, o sujeito fica
todo mijado e cagado!E riu, para em seguida perguntar:
-Eu tenho esse troço? Tem
cura?Porque eu tomo o remédio há muito tempo e até agora não
melhorei!Apressei-me a responder:
-O tratamento da epilepsia é
realizado através de medicamentos que controlam a atividade anormal dos
neurônios, diminuindo as cargas cerebrais anormais. Resultando no controle das
crises ou à diminuição da freqüência e intensidade das
mesmas!
-Então receita para mim este santo
remédio, que eu quero ficar bom logo!Respondeu.
-Antes o senhor terá que
submeter-se à um exame físico e neurológico completo. Em seguida
solicitarei exames laboratoriais de praxe (hemograma completo, glicemia,
cálcio, uréia, etc.). E também um E.E.G. - Ele não se conteve e
desabafou:
-O senhor esta zoando com a minha
cara?...Esta de sacanagem comigo?Vai me dizer que tudo isso é preciso para o
senhor me dar uma simples receitinha?Indagou. Minha resposta foi
lacônica:
-Sim!Ele no entanto, restringiu a
resmungar baixinho:
-Que saco!
Fiz-me de desentendido e continuei
meu exame neurológico e em seguida solicitei os exames complementares
necessários, e por fim prescrevi o tão aguardado anticonvulsivante!De posse da
receita, ele exclamou:
-Bendito remedinho! Se não
funcionar, eu sei que pelo menos dá sono!Obrigado, Doutor!
Foi novamente algemado,
levantou-se da cadeira e foi conduzido pelo guarda até a saída,mas parou,pensou
e voltou. E agachando-se até mim, confidenciou-me
baixinho:
-Doutor eu não tenho a tal doença,
eu simulo os ataques, para poder sair da cadeia de vez em quando e respirar um
ar de liberdade!(Soltou uma sonora gargalhada.)E foi-se embora...Quanto a
mim: Fiquei boquiaberto!
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