Crônica do Livro: "CAUSOS CLÍNICOS"
Autor:Fernando Ortiz
Dona Clotilde |
Enfim, mudei. Mudei de
apartamento!Novos ares!Novo ambiente!Lugar arborizado, bem ao meu estilo de
vida!
Estou instalado, após uma
mudança conturbada, aproveito para relaxar e aproveitar o novo lar. E eis, que
sou contemplado com o canto de passarinhos na minha sacada. Perfeito!Não poderia
ser melhor. Local silencioso, tranquilo, vizinhos amigáveis!Toda a mobília no
seu devido lugar!Fim de semana sem plantões médicos!Aproveito para recostar
minha cabeça no travesseiro e tirar uma soneca no meu novo quarto!Estou quase
pegando no sono e escuto um barulho semelhante a uma furadeira!Não é
possível!Será que alguém desavisado resolveu justamente neste dia furar a
parede?Mas é domingo, dia consagrado ao descanso!Não acredito, mas o barulho
ensurdecedor continua: RRREEEERRREEEERRREEE!
Levanto imediatamente da cama
e enfurecido decido interfonar na portaria e reclamar do sucedido:
-Senhor, acabei de mudar-me para
este apartamento e estou tentando descansar neste domingo e sou
surpreendido com o barulho insuportável de
uma furadeira!Gostaria que o senhor verificasse para mim e aconselhasse esta
pessoa a parar!Ao que, retrucou o porteiro:
-Sim, Doutor!Realmente por
normas do condomínio, não é permitido fazer barulho no dia de hoje!O senhor sabe
de onde vem o barulho?Perguntou ele.
-Claro!É no apartamento acima do
meu, talvez o 61?Afirmei.
-Hii... É do apartamento da Dona
Clotilde, uma senhora encrenqueira, mas vou dar um jeito!
Minutos depois, voltou a me
ligar:
-Pronto Doutor!Já fiz a
reclamação!Agradeci, pois tinha certeza que o silêncio voltaria a
reinar.
Estava sossegado pensando com
meus botões: Como era bom relaxar e curtir esses momentos de lazer que a vida
nos proporciona!Estes momentos deveriam ser mais duradouros!De repente
fui interrompido em meus pensamentos por um estridente ruído:
RRIIIIIIMM!
Logo identifiquei que se tratava
da velha senhora do sexto andar, arrastando móveis em seu apartamento!E o meu
sossego havia terminado!
E mais: RRIIIIMMM, o barulho
estridente continuava sem dar tréguas, e novamente: RRIIIIMMM!
Percebi que aquilo não teria
fim, portanto, resolvi de novo interfonar para a portaria do prédio pedindo
providências:
-Senhor Lopes, sou morador do
apartamento 51, estou novamente ligando para comunicar, que a senhora do 61
continua fazendo barulho.Desta vez ela foi longe demais,esta arrastando móveis
em seu apartamento,não permitindo que eu descanse...O barulho é
intolerável! Peço que
tome providências!
-Hii... Doutor!De novo, agora a
coisa complicou é encrenca na certa... A Dona Clotilde é uma velha muito
ranzinza!Vou tentar dar um jeito!
Aguardei, e poucos minutos
depois ele interfonou-me:
-Sabe Doutor!A Dona Clotilde
pede desculpas pelo incômodo!Até achei meio estranho... Mas, ela disse que isso
não iria se repetir!
Fiquei satisfeito com o desfecho
da situação, e tratei de acomodar-me em minha cama para dedicar-me a uma
merecida soneca.
Comecei a pegar no sono e
abruptamente fui despertado com o barulho de contínuas marteladas na parede:
TUM!TUM!TUM!
Era óbvio que o barulho vinha do
sexto andar!Liguei novamente na portaria e fiz nova reclamação!Então o porteiro
me aconselhou:
-Sabe Doutor!Se o senhor quiser
pode falar diretamente com ela, basta ligar 54 e em seguida o número do
apartamento!
-Tudo bem!Respondi.
E assim fiz: Liguei uma, duas,
três, quatro, cinco, seis vezes!E em nenhuma destas vezes, ela não atendeu o
interfone.
Então resolvi decidir esta
situação pessoalmente!E fui bater na porta da moradora do apartamento 61!Bati
insistentemente, e nada!Bati novamente e nada!Tentei a campainha!Nada!Cheguei a
pensar que ela havia saído, mas não! Na certa não queria atender a
porta! Talvez, envergonhada com a sua atitude?Volto ao meu apartamento e tento
novamente cochilar.
Sou surpreendido com uma série
de ruídos: RRREEEERRREEEERRREEE! TUM!TUM!TUM!RRREEERRREEEEERRREEE!
Não acredito, fui direto ao
interfone:
-Senhor Lopes, a velhota voltou
à carga!Não é possível!O barulho é ensurdecedor!Ele ficou mudo... De repente fez
um silêncio:
-Senhor Lopes, Senhor
Lopes, parece que ela parou!Não ouço mais nenhum barulho!
Até que enfim, pensei. Mas, não
iria durar muito! E em seguida adormeci. Após um tempo, ouço: CATAPLAM!Acordo
assustado e olho o relógio, já era meia-noite!
Parece que alguém bateu uma
porta?Penso. Instante depois toca o interfone, era o Senhor Lopes, meio
esbaforido,que diz:
-Doutor, Dona Clotilde passou
agora pela portaria, e disse-me que iria dormir na casa de sua filha!Agradeci e
respirei aliviado, enfim ficaria em paz e com certeza, teria uma tranquila
noite de sono!
Após um domingo cansativo,
exaustivo!Levanto na manhã seguinte e apronto-me para sair, pois iria começar
nesta 2ª Feira uma nova maratona de plantões. Chego ao hospital e dirijo-me ao
consultório, neste momento adentra a sala uma senhora idosa, baixinha e com cara
de poucos amigos.
Li o seu prontuário sobre minha
mesa, e constatei surpreso que os dados daquela senhora coincidiam com o meu
endereço: Rua Floriano Peixoto Nº 789 - Apartamento: 61.
Portanto, um andar acima do
meu!E mais surpreso fiquei, quando li o seu nome: Clotilde... Não tinha dúvidas
eu estava frente a frente com a tenebrosa do sexto andar, a terrível
perturbadora do sossego alheio: Dona Clotilde em carne e ossos!Antes que eu
pudesse esboçar alguma reação, ela foi logo dizendo:
-Doutor, eu não tenho muito
tempo a perder, passei um domingo de cão!Um novo vizinho que acabou de se mudar
no meu prédio me perturbou o dia inteiro com suas ligações ao meu apartamento.
Eu sou uma mulher viúva. Sei lá, o que esse tarado queria!Só sei que isso me
deixou muito perturbada!Acredite, tive que dormir na casa de minha filha!Receite
logo, um tranquilizante para mim!
Tentei
argumentar,desisti.
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