- Quer saber, Alberico? Vai te... |
Autor:Lula Falcão
- Você não acha que Câmara está colocando em risco a democracia representativa no País?
- Não acho nada, Alberico.
- Por que é sempre assim, mulher, você nunca acha nada.
- Já achei. Não acho mais. Achar adianta alguma coisa?
- Claro que sim. Já ouviu a frase “quem não gosta de política será governado por quem gosta”?
- Não, mas qual é o problema? Quem gosta que governe. E tem mais: você adora política e não governa porra nenhuma.
- Meu bem, não é por ai. O fundamental é que a alienação política termina te deixando alienada de tudo...
- Como assim? Já fiz um bocado de coisas hoje. Levei as crianças na escola, paguei as contas e ainda trabalhei das nove até agora. Lembra? Sou eu quem sustenta essa casa.
- Claro, nunca neguei isso. Estou sem emprego fixo, mas não parado. Reflito sobre o Brasil, sobre as questões institucionais. Escrevo meu blog, tenho 1200 seguidores no twitter. Estou clamando por um país melhor.
- Alberico, esse twitter e esse blog não dão um tostão furado. Tanto concurso público por ai e você não se mexe...
_ Você acha que quero viver à custa do Estado, virar funcionário público, ser cúmplice de um sistema permeado pela corrupção?
- Que cúmplice coisa nenhuma, Alberico. É só um emprego como outro qualquer. E tem um salário no final do mês. Ficar ai escrevendo nesse blog é que não vai resolver porra nenhuma.
- Um blog que você não lê.
- Alberico, eu lá tenho tempo pra ler blog?
- Tem que arranjar um tempo. Não falo especificamente do “meu blog”. Você precisa se informar.
- Se você gosta tanto de política por que não vai ser cabo eleitoral?
- Heleninha, pelamordedeus, eu penso a política como algo superior, acima de questiúnculas partidárias, de campanhas eleitorais, essas coisas. Meu negócio é o Bobbio, a Ciência Política, a teoria, as questões do Estado, as relações com a sociedade.
- Que Mané Bobbio, rapaz. Você vive citando esse cara e até agora, necas. Em vez de ficar na dos outros por que você não arruma emprego de cientista político?
- Você sabe muito bem que não é assim. Não tenho diploma universitário. E não por falta de capacidade. É que sou bastante crítico em relação à vida acadêmica, aos seus vícios, às suas “verdades”...
- Alberico, você é crítico de tudo que pode te tirar desse maldito computador. Se soubesse não tinha comprado essa merda.
- Olha, Heleninha, você deveria agradecer por ter em casa uma pessoa que reflete e escreve sobre política. Lembre do meu livro. Não sou qualquer um, tenho um livro publicado.
- Um livro que ninguém leu. Até hoje você deve à gráfica. Melhor dizendo, eu devo.
- Heleninha, sabe o que me irrita? Essa sua falta de classe pra viver uma relação em que um é o provedor material e o outro se dedica a pensar, questionar e formular teorias. Conheço vários casais que tratam isso de uma forma, digamos, mais elegante.
- Olhe, Alberico, enchi o saco dessa sua vagabundagem enfeitada com teoria política. Não fosse casado comigo, você estaria morando na rua, sem blog e sem teto, ou arrumava outra besta quadrada como eu para segurar sua onda de intelectual fracassado. O que você produziu até hoje? Sim, tem o livro. Mas ninguém ligou, Alberico. Aquilo é um emaranhado de soluções à procura de problemas; você não alinha fatos concretos e faz uma análise simplista da realidade brasileira a partir de leituras rasteiras de jornais e revistas. Não há uma única idéia inovadora, nenhum pensamento original naquele labirinto de citações fora do lugar. Sem contar os erros históricos. Sua análise da Era Vargas, por exemplo, não leva em conta a conjuntura internacional e a própria guerra é deixada de lado para embarcar num cozido mal feito de Gilberto Freyre e Caio Prado. Encontrei vários parágrafos completamente descontextualizados, talvez por falta de conhecimentos sobre a engrenagem econômica do pós-guerra. E tem mais: o que O Gramsci está fazendo ali, ciscando sobre todos os temas, das artes plásticas ao sindicalismo...
- Sabe de uma coisa, Heleninha? Você me deu uma idéia: vou preparar uma segunda edição do livro. Levarei em conta suas observações. Algumas são equivocadas, mas você tem razão sobre Vargas. Preciso mergulhar nesse tema nos próximos meses. Enquanto isso, você bem que poderia escrever no meu blog a cada quinze dias...
- Quer saber, Alberico? Vai te fuder!
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