Crônica do Livro: "CAUSOS CLÍNICOS"
Autor:Fernando Ortiz
É uma daquelas histórias que a gente memoriza para o resto das nossas vidas e vira e volta, nos a compartilhamos nas rodas de amigos, aonde todos invariavelmente se deleitam e riem aos cântaros, pois é uma história no mínimo inusitada. Neste caso sempre somos-nos o personagem da história, portanto o alvo das chacotas.
É justamente esta história que passo a narrar. Na ocasião era eu o chefe do Ambulatório Médico de uma grande Empresa,que aliás, convém mencionar que era o meu primeiro emprego,isso sempre dá um friozinho na barriga ou será medo? Talvez devido a nossa insegurança, além do mais era com registro em carteira e isso eu lembro era motivo de muito orgulho para mim.
Mas convenhamos, o medo é uma reação protetora e saudável do ser humano. O medo "normal" vem de estímulos reais. A cada situação nova, inesperada, que representa um perigo, surge o medo. Todo mundo teme algo - assaltos, seqüestro, doença, dentista, dor, solidão, o primeiro emprego, entre outros.
E é assim que tudo começou, com o medo de uma doença, mas não pensem que é qualquer doença, destas simplesmente curáveis. Tratava-se da Doença de Chagas, doença adquirida pela picada de um vetor conhecido como "BARBEIRO” que transmite o parasita tripanosoma cruzi*.A transmissão ocorre quando a pessoa coça o local da picada e as fezes infectadas com T.cruzi* eliminadas pelo barbeiro penetram pelo orifício que ali deixou,dando início ao ciclo da doença que acomete vários órgãos do nosso corpo.Quis o destino como médico da Empresa que eu fizesse o diagnóstico justamente desta doença em uma funcionária dos Serviços Gerais da Empresa em questão.E foi num destes exames médicos de rotina.
A paciente Dona Rosa procurou-me no Ambulatório queixando-se de inchaços nas pernas ,e sensação de "fraqueza" e de "canseira",e freqüentes palpitações com intensa "falta de ar".Examinando a paciente,um sintoma me chamou a atenção,ela apresentava bradicardia à ausculta cardíaca.Como saber se um pessoa é chagásica? Pode-se suspeitar caso a pessoa viva em área endêmica. E a Dona Rosa, disse-me que viveram muitos anos no Vale do Jequitinhonha, Norte de Minas Gerais (portanto, área endêmica). Entretanto, para ter-se uma certeza do diagnóstico, exames especiais são necessários, são as chamadas "reações sorológicas". Estas são provas de laboratório realizadas no soro que se obtém no sangue do doente. Através de métodos especiais verifica-se a presença, nesse soro, de partículas que o organismo fabrica contra o tripanosoma cruzi, denominadas "anticorpos". Há vários tipos dessas reações, sendo uma das mais conhecidas a de "Guerreiro e Machado” (nome dado em homenagem aos cientistas que a descreveram).
Neste caso, semanas depois após verificar os resultados dos exames, minha suspeita se confirmara,era Chagas e a doença tinha se manifestado no coração daquela pobre senhora, atingindo as células do miocárdio. Convém ressaltar que dos casos infectados 10% evoluem para o óbito por miocardite chagásica, fase crônica da doença, infelizmente este era o caso da Dona Rosa. Um caso típico com aumento do coração (cardiomegalia) e os pacientes nestes casos estão incapacitados de exercer quaisquer atividades profissionais. Um relevante dado estatístico, no Brasil são 8 milhões de pessoas infectadas.
E quando ocorre o acometimento cardíaco: O coração é, sem dúvida, o órgão mais lesado, dada a preferência do tripanosoma por suas fibras musculares. Baqueando aos poucos, o órgão vai se dilatando e crescendo, atingindo dimensões enormes (Cardiomegalia).
São comuns, nessa fase avançada, os grandes inchaços nas pernas, conforme me mencionara a paciente na ocasião. Aqui, nem sempre pode o médico fazer muito pelo paciente... Em geral, o "chagásico" vem à apresentar estes sintomas tardios e justamente na época em que as pessoas estão mais produtivas, exercendo ativamente seu trabalho e com família constituída. Não são raras, infelizmente, as mortes súbitas e inesperadas entre estes pacientes, aparentemente sadios e em plena vigor físico. Nesses casos as lesões produzidas pelo tripanosoma cruzi afetam gravemente o coração. Isso produz grave desorganização na maneira do órgão contrair-se para bombear sangue, ficando extremamente irregulares as batidas do coração. De repente pode parar de bater e o indivíduo morre inesperadamente.
Com o diagnóstico confirmado e na condição de chefe do Ambulatório Médico cabia a eu comunicar ao chefe do Dep. Recursos Humanos sobre o procedimento que deveria ser tomado nesta situação!!
É justamente esta história que passo a narrar. Na ocasião era eu o chefe do Ambulatório Médico de uma grande Empresa,que aliás, convém mencionar que era o meu primeiro emprego,isso sempre dá um friozinho na barriga ou será medo? Talvez devido a nossa insegurança, além do mais era com registro em carteira e isso eu lembro era motivo de muito orgulho para mim.
Mas convenhamos, o medo é uma reação protetora e saudável do ser humano. O medo "normal" vem de estímulos reais. A cada situação nova, inesperada, que representa um perigo, surge o medo. Todo mundo teme algo - assaltos, seqüestro, doença, dentista, dor, solidão, o primeiro emprego, entre outros.
E é assim que tudo começou, com o medo de uma doença, mas não pensem que é qualquer doença, destas simplesmente curáveis. Tratava-se da Doença de Chagas, doença adquirida pela picada de um vetor conhecido como "BARBEIRO” que transmite o parasita tripanosoma cruzi*.A transmissão ocorre quando a pessoa coça o local da picada e as fezes infectadas com T.cruzi* eliminadas pelo barbeiro penetram pelo orifício que ali deixou,dando início ao ciclo da doença que acomete vários órgãos do nosso corpo.Quis o destino como médico da Empresa que eu fizesse o diagnóstico justamente desta doença em uma funcionária dos Serviços Gerais da Empresa em questão.E foi num destes exames médicos de rotina.
A paciente Dona Rosa procurou-me no Ambulatório queixando-se de inchaços nas pernas ,e sensação de "fraqueza" e de "canseira",e freqüentes palpitações com intensa "falta de ar".Examinando a paciente,um sintoma me chamou a atenção,ela apresentava bradicardia à ausculta cardíaca.Como saber se um pessoa é chagásica? Pode-se suspeitar caso a pessoa viva em área endêmica. E a Dona Rosa, disse-me que viveram muitos anos no Vale do Jequitinhonha, Norte de Minas Gerais (portanto, área endêmica). Entretanto, para ter-se uma certeza do diagnóstico, exames especiais são necessários, são as chamadas "reações sorológicas". Estas são provas de laboratório realizadas no soro que se obtém no sangue do doente. Através de métodos especiais verifica-se a presença, nesse soro, de partículas que o organismo fabrica contra o tripanosoma cruzi, denominadas "anticorpos". Há vários tipos dessas reações, sendo uma das mais conhecidas a de "Guerreiro e Machado” (nome dado em homenagem aos cientistas que a descreveram).
Neste caso, semanas depois após verificar os resultados dos exames, minha suspeita se confirmara,era Chagas e a doença tinha se manifestado no coração daquela pobre senhora, atingindo as células do miocárdio. Convém ressaltar que dos casos infectados 10% evoluem para o óbito por miocardite chagásica, fase crônica da doença, infelizmente este era o caso da Dona Rosa. Um caso típico com aumento do coração (cardiomegalia) e os pacientes nestes casos estão incapacitados de exercer quaisquer atividades profissionais. Um relevante dado estatístico, no Brasil são 8 milhões de pessoas infectadas.
E quando ocorre o acometimento cardíaco: O coração é, sem dúvida, o órgão mais lesado, dada a preferência do tripanosoma por suas fibras musculares. Baqueando aos poucos, o órgão vai se dilatando e crescendo, atingindo dimensões enormes (Cardiomegalia).
São comuns, nessa fase avançada, os grandes inchaços nas pernas, conforme me mencionara a paciente na ocasião. Aqui, nem sempre pode o médico fazer muito pelo paciente... Em geral, o "chagásico" vem à apresentar estes sintomas tardios e justamente na época em que as pessoas estão mais produtivas, exercendo ativamente seu trabalho e com família constituída. Não são raras, infelizmente, as mortes súbitas e inesperadas entre estes pacientes, aparentemente sadios e em plena vigor físico. Nesses casos as lesões produzidas pelo tripanosoma cruzi afetam gravemente o coração. Isso produz grave desorganização na maneira do órgão contrair-se para bombear sangue, ficando extremamente irregulares as batidas do coração. De repente pode parar de bater e o indivíduo morre inesperadamente.
Com o diagnóstico confirmado e na condição de chefe do Ambulatório Médico cabia a eu comunicar ao chefe do Dep. Recursos Humanos sobre o procedimento que deveria ser tomado nesta situação!!
Sr.Osvaldo |
Pedi ao o Sr.Osvaldo, que respondia interinamente por este setor que viesse o mais prontamente a minha sala. Assim o fez passados alguns minutos o Sr.Osvaldo bate a minha porta:
-Entre, Sr.Osvaldo e se acomode que temos um assunto para tratarmos!Do que se trata, Doutor?Indagou-me o mesmo, continuei:
-Lembra-se da Dona Rosa?Perguntei-lhe. Naquele momento ele pôs-se a refletir e coçando o queixo respondeu-me:
-Sinceramente não!!Tentei descrever a tal senhora, mas ele demonstrava-se reticente:
-Definitivamente não!!E permaneceu em silêncio. Olhei para aquele homem careca, baixinho - já irritado perguntei pela ultima vez:
-Quer dizer que o Senhor não conhece a funcionária em questão?Pois quero que o Senhor saiba que se trata de um caso clínico grave, e eu terei que comunicar a Diretoria desta Empresa!!
-Peraí Doutor, o senhor agindo assim, esta passando por cima de minha "Autoridade"!!
-Que Mané "Autoridade”... O que eu estou comunicando-lhe é um fato de extrema gravidade!!
-Doutor, eu acho que sei de quem o Senhor esta falando... É aquela senhora que o Senhor consultou ontem, e deu-lhe um atestado de um mês?
-Pois, é desta pobre senhora que estou falando...
-Foi bom o senhor ter tocado no assunto... Porque eu já estava pensando em vim falar-lhe a respeito...
-Da Doença da Dona Rosa?Perguntei.
-Não!!...Do Atestado de um Mês que o senhor deu a ela... Isso era mesmo preciso?Sabe Doutor, nos estamos com falta de Pessoal!!E esta gente não é muito avessa ao trabalho... Faz corpo mole, entende?
Levantei-me da cadeira e decidi despachar aquele infeliz:
-Passar bem, Sr.Osvaldo!! Nos não temos nada para conversarmos!!-o sujeito na caradura e com cinismo retrucou:
-Doutor se eu disse alguma coisa que não devia peço-lhe mil desculpas!!-refreei meus impulsos, pensei e ponderei:
-Esta certo então Sr.Osvaldo... Podemos tentar conversar!!-e arrematei:
-A Dona Rosa que esta lotada no Dep. Serviços Gerais, esta incapacitada de exercer quaisquer tipos de atividades físicas, devido ao seu quadro clínico...
-Temporariamente, não é Doutor?
-Não Sr.Osvaldo o caso é definitivamente!!Rebati.
-Não me diga Doutor!!Do que se trata??
-O caso da Dona Rosa é de aposentadoria por invalidez, esta senhora sofre de Doença de Chagas!!
Aliás, vou lhe explicar, na fase aguda da Doença, logo após a contaminação, surgem nos pacientes reações inflamatórias que são comuns devido à multiplicação intracelular do parasita, o que provoca mobilização do sistema imunológico. Pode se seguir um período de latência de duração variável de10 há 20 anos, sem grandes manifestações, e o chagásico entra na fase crônica, que é o caso específico da Dona Rosa, quando começam a surgir os problemas cardíacos. Insuficiência cardíaca, cardiomegalia (dilatação do coração), problemas na formação e condução dos estímulos cardíacos, que podem levar à morte súbita.
-Poxa, Doutor!Que doençinha triste... Mas já vou providenciar a papelada da aposentadoria da Dona Rosa!!-entusiasmei-me e completei:
-Faça isso, mas faça o mais depressa possível... Porque as batidas do coração vão ficando irregulares. E de repente pode parar de bater e a Dona Rosa pode morrer inesperadamente antes da Aposentadoria!!
-Vira esta boca pra lá, Doutor!!Vou-me embora que tenho muita coisa para fazer ainda hoje!!-Com a saída daquele ignóbil Senhor pude novamente respirar aliviado, enfim tinha resolvido em parte o caso daquela senhora... Valeu até o susto que dei no tal Sr.Osvaldo.
Duas semanas se passaram e eis que um dia adentra a minha sala espavorido o tal Osvaldo:
-Acuda-me, Doutor!!Acuda-me, Doutor!!-dizia em alto e bom som o Sr.Osvaldo. Imediatamente fui ao seu encontro e o conduzi a uma cadeira e indaguei:
-O quê aconteceu Sr.Osvaldo? -ainda ofegante respondeu-me:
-A mulher bateu a caçoleta... A mulher bateu a caçoleta!!-repetia ele.
-O quê aconteceu de fato Sr.Osvaldo, conte-me... -insistia eu.
-Bem que o Senhor disse Doutor!-eu continuava sem entender nada.
-Aconteceu como o Senhor havia me alertado... A mulher estava ali na minha frente e de repente ela caiu durinha!-sem ainda entender, insisti:
-O Senhor poderia se explicar melhor...
-Estou falando da Dona Rosa... Ela morreu... Ela morreu!!
-Não é possível... Conte-me quando isso aconteceu?
-Ontem pela manhã... Eu pedi para chamá-la para explicar toda a papelada de sua Aposentadoria... Eu estava falando com ela e de repente ela caiu bem na minha frente... Meu Pai do Céu... Eu estava explicando para ela e de repente ela morre... Na minha frente!!
-Não pode ser, lamentei. Eu tinha prevenido o Sr!!-desabafei.
-Pois é eu até procurei pelo Doutor, mas disseram-me que o Sr não se encontrava na Empresa!!
Eu gostaria que o senhor explicasse-me novamente como isso pode acontecer?-perguntou-me já mais calmo, mas ainda transpirando muito.
-Vou explicar-lhe novamente, preste atenção!!-Peguei uma folha de papel e desenhei nela dois corações, um em tamanho normal e o outro muito maior e continuei a explicação:
-Este coração é normal, o outro é maior, cujo qual se chamou de coração de boi, devido a sua grande dimensão, é o coração do Chagásico. Neste caso o tripanosoma cruzi afeta gravemente o sistema nervoso deste coração doente. Isso produz grave desorganização na maneira do órgão contrair-se para bombear sangue, ficando extremamente irregulares as batidas do coração. Portanto, pode parar de bater e o paciente morre inesperadamente, estas foram minhas últimas palavras, pois de repente minha visão ficou turva, inclinei a cabeça em direção a mesa, batendo fortemente a região da face sobre o tampo de vidro da mesma... Penso ter permanecido alguns segundos desmaiado... Só ouvi a partir dali gritos de socorro do Sr.Osvaldo.
-Acudam... Acudam... O médico morreu também!!!-dizia ele aos berros pelo corredor do Ambulatório.
Imediatamente um grupo de pessoas adentraram a sala e eu fui conduzido meio desacordado para uma maca. Veio ao meu encontro um colega médico que prontamente iniciou os primeiros socorros.
Enquanto ele verificava minha pressão arterial, eu era também medicado. E de onde eu estava mesmo deitado e obnubilado dava para avistar uma cabeça "saltitante” no meio de uma dezena de curiosos. Era um homem baixinho, careca e neste alvoroço pude então distinguir sua voz que insistentemente perguntava:
Sr.Osvaldo |
-ELE MORREU? ELE MORREU?NÃO É POSSÌVEL SÓ COMIGO ISSO ACONTECE!VALHA-ME MINHA NOSSA SENHORA! POR FAVOR, O MÉDICO MORREU?ALGUÉM AÍ ME RESPONDA, EU PRECISO SABER?Podem acreditar, era o Sr.Osvaldo que perguntava insistentemente por mim para todos.
Após o incidente, contaram-me que na ocasião fui vítima de uma síncope devido a uma crise hipertensiva, hoje controlada.
Quanto ao Sr.Osvaldo nunca mais ouvi falar dele, soube que tinha deixado a Empresa e mais nada.
Quanto a mim DEDICO MINHA VIDA EM CUIDAR DA SAÚDE E DO BEM ESTAR DO PRÓXIMO!
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